São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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Crítica/erudito

Yo-Yo Ma conquista o público ao criar sentidos em cada compasso musical

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Foram só dois bis -um "Prelúdio" de Gerswhin (1898-1937) e "O Cisne" de Saint-Saens (1835-1921)-, mas àquela altura, se tivessem tocado 20, a platéia não arredava dali. E não era para menos: superaguardado, hipermidiatizado, o concerto do violoncelista Yo-Yo Ma, acompanhado pela pianista Kathryn Stott, transformou logo em pó todo o "hype" da antecipação, consumido na hora pela força da música.
Não é fácil entender por que alguns músicos têm isso, enquanto tantos outros não têm.
O apelo público é uma combinação sem receita de talento, inteligência, senso de oportunidade, sorte, investimento, personalidade. Nem sempre a música resiste a seu sucesso.
Mas, com Yo-Yo Ma, tudo parece natural e justo, como soa justo e natural tudo o que o ele faz com seu instrumento.
A impressão final, depois de Schubert (1797-1828), depois de Shostakovich (1906-75), depois de César Franck (1822-90), é a de um artista que sabe se levar até onde pode -mais do que pode a maioria-, sem que isso passe, em momento algum, por exibição. É um músico de grande intensidade, fabricando sentidos a cada compasso, jamais desatento ou distante. Está dentro da música do começo ao fim; e o caminho de cada peça vira também um caminho emocional, vivido por quem toca e por quem escuta.
Mesmo as duas peças menores do programa, dois agrados para a turnê latino-americana, primeiro o "Grand Tango" de Piazzolla (1921-92) e depois "Bodas de Prata/ Quatro Cantos", de Egberto Gismonti (1944), que faz parte do CD "Obrigado, Brazil", cresceram nessa companhia e sobreviveram à vizinhança. Artes também da pianista inglesa, que tem dedos e imaginação, sem ofuscar o carisma do parceiro.
Os dois respiram juntos e vão modelando circunstâncias musicais, que passam de uma a outra em transições sutis. Isso foi verdade na variadíssima, irônica "Sonata" de Shostakovich, e não menos verdade na famosa "Sonata" de Franck. Foi verdade, aliás, desde o começo, com a "Arpeggione" de Schubert; ou, para ser exato, desde antes do começo, com a não identificada fantasia oriental (com tema quase schubertiano) que Yo-Yo Ma atacou no violoncelo solo, como prelúdio.
Pensado em retrospecto, o programa parecia mais coerente ainda, uma linda noite de música, sem um traço de preguiça nem de pretensão. Quem faz música assim sempre ensina a ir além da música. Quem vai além, pode voltar a ela, agradecido e feliz.


YO-YO MA E KATHRYN STOTT
Quando:
hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quando: R$ 120 a R$ 250 (ingressos esgotados)
Avaliação: ótimo


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