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Crítica/"Personal Che"
Filme faz minuciosa análise da criação do mito de "Che"
CRÍTICO DA FOLHA
Se Roland Barthes (1915-1980) estivesse vivo e escrevesse uma atualização para seu indispensável
"Mitologias", publicado pela
primeira vez em 1957, certamente incluiria um capítulo sobre Che Guevara.
O documentário "Personal
Che" pode não citar Barthes diretamente, mas é uma minuciosa análise da construção de
um mito contemporâneo à moda do semiólogo francês.
De forma complexa e multifacetada, o filme do brasileiro
Douglas Duarte e da colombiana Adriana Marino percorre o
mundo para investigar as várias
"releituras" sofridas pela figura
do revolucionário argentino,
que foi peça essencial para o sucesso da revolução cubana e
morreu tentando implantar a
guerrilha na Bolívia (onde foi
executado, em 1967).
Imortalizada pelas fotos de
Alberto Korda e "capturada"
pela linguagem mitológica, a figura de Che já não tem qualquer pé nos fatos; sua reapropriação chega a alcançar aspectos delirantes.
Diz Barthes que a função do
mito é "transformar uma eventualidade em eternidade", em
um processo de "deformação"
que "elimina a qualidade histórica das coisas". No mito, completa o autor, "as coisas perdem
a lembrança de sua produção".
Pois esse processo se evidencia de forma clara no filme, que
mostra exemplos variados de
veneração a Che.
Ele chega a ser santo na região da Bolívia onde foi morto,
vira personagem de um musical montado no Paquistão, é
modelo para um político de
Hong Kong, ou, ainda, torna-se
estampa de camisetas em vários países do mundo -inclusive na Alemanha, onde seu rosto
aparece no figurino de um jovem neonazista.
Batalha verbal
Os diretores evitam intelectualizar em excesso a discussão, mas não dispensam análises de alguns teóricos. O polêmico fotógrafo Oliviero Toscani, por exemplo, define Che como "o melhor modelo que surgiu na face da Terra desde Jesus Cristo". Bem organizado, o
documentário consegue oferecer as informações necessárias
para a compreensão de um processo, sem perder de vista o lado humano das engrenagens da
mitificação.
É especialmente interessante ver a batalha verbal, nos Estados Unidos, entre um "guevariano" que veste a camisa do revolucionário e os cubanos que
fugiram do regime de Fidel
Castro.
Ou, ainda, a expressão de
uma senhora e seu filho, moradores de uma pequena cidade
boliviana, quando o diretor lhes
diz que Che Guevara era "comunista e ateu".
Seus rostos são tomados por
uma decepção infinita, que depois dá lugar à incredulidade. O
mito, como sempre, vence.
(PEDRO BUTCHER)
PERSONAL CHE
Produção: EUA, 2007
Direção: Douglas Duarte e Adriana Marino
Com: Jon Lee Anderson, Paul Berman, Christopher Hitchens, Jorge
Castañeda
Onde: em cartaz no HSBC Belas Artes, Cine Bombril e Espaço Unibanco; classificação livre
Avaliação: bom
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