São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2008

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Crítica/"Personal Che"

Filme faz minuciosa análise da criação do mito de "Che"

CRÍTICO DA FOLHA

Se Roland Barthes (1915-1980) estivesse vivo e escrevesse uma atualização para seu indispensável "Mitologias", publicado pela primeira vez em 1957, certamente incluiria um capítulo sobre Che Guevara.
O documentário "Personal Che" pode não citar Barthes diretamente, mas é uma minuciosa análise da construção de um mito contemporâneo à moda do semiólogo francês.
De forma complexa e multifacetada, o filme do brasileiro Douglas Duarte e da colombiana Adriana Marino percorre o mundo para investigar as várias "releituras" sofridas pela figura do revolucionário argentino, que foi peça essencial para o sucesso da revolução cubana e morreu tentando implantar a guerrilha na Bolívia (onde foi executado, em 1967).
Imortalizada pelas fotos de Alberto Korda e "capturada" pela linguagem mitológica, a figura de Che já não tem qualquer pé nos fatos; sua reapropriação chega a alcançar aspectos delirantes.
Diz Barthes que a função do mito é "transformar uma eventualidade em eternidade", em um processo de "deformação" que "elimina a qualidade histórica das coisas". No mito, completa o autor, "as coisas perdem a lembrança de sua produção".
Pois esse processo se evidencia de forma clara no filme, que mostra exemplos variados de veneração a Che.
Ele chega a ser santo na região da Bolívia onde foi morto, vira personagem de um musical montado no Paquistão, é modelo para um político de Hong Kong, ou, ainda, torna-se estampa de camisetas em vários países do mundo -inclusive na Alemanha, onde seu rosto aparece no figurino de um jovem neonazista.

Batalha verbal
Os diretores evitam intelectualizar em excesso a discussão, mas não dispensam análises de alguns teóricos. O polêmico fotógrafo Oliviero Toscani, por exemplo, define Che como "o melhor modelo que surgiu na face da Terra desde Jesus Cristo". Bem organizado, o documentário consegue oferecer as informações necessárias para a compreensão de um processo, sem perder de vista o lado humano das engrenagens da mitificação.
É especialmente interessante ver a batalha verbal, nos Estados Unidos, entre um "guevariano" que veste a camisa do revolucionário e os cubanos que fugiram do regime de Fidel Castro.
Ou, ainda, a expressão de uma senhora e seu filho, moradores de uma pequena cidade boliviana, quando o diretor lhes diz que Che Guevara era "comunista e ateu".
Seus rostos são tomados por uma decepção infinita, que depois dá lugar à incredulidade. O mito, como sempre, vence. (PEDRO BUTCHER)

PERSONAL CHE
Produção:
EUA, 2007
Direção: Douglas Duarte e Adriana Marino
Com: Jon Lee Anderson, Paul Berman, Christopher Hitchens, Jorge Castañeda
Onde: em cartaz no HSBC Belas Artes, Cine Bombril e Espaço Unibanco; classificação livre
Avaliação: bom


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