São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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Por meio de uma família, peça implode "misérias social e moral"

VALMIR SANTOS
ENVIADO A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

O pai é alcoólatra. A mãe, uma mulher resignada. E os três filhos do casal encerram a seguinte trindade: um travesti, um fanático religioso e um autista.
Eis a composição explosiva da família de "Lusco-Fusco ou Tudo Muito Romântico", espetáculo das companhias mineiras Absurda e Acômica, sob direção de Eid Ribeiro, que estréia hoje no Festival Internacional de Teatro (FIT) de São José do Rio Preto (SP).
Ribeiro escreveu a peça em parceria com Marcus Tafuri. O ponto de partida foi o romance "Profundo", do venezuelano José Ignacio Cabrujas. Porém, quatro meses depois de criação coletiva com os atores, a dramaturgia estancou. Foi retomada apenas meses adiante, agora colocando-se, em parte, aquele livro de lado e criando um texto com vida própria.
O resultado veio à luz há três anos e se aproxima de uma transposição da história bíblica de Caim e Abel para uma família brasileira contemporânea, moradora em uma favela.
Entre canções de Roberto Carlos e fantasias pornográficas, desponta um retrato angustiante do cotidiano daquela casa. "Misérias social e moral", diz Ribeiro, 61. Liame de amor e ódio. Ou lusco-fusco, ponte entre o final do dia e o anoitecer.
O crente Abel (Herbert Tadeu), filho mais velho, prega o apocalipse e cava um buraco onde deseja abrigar a família da ira do deus seu. Jonilde (Nelson Bamban Júnior), o arrimo, tira o ganha-pão fazendo programa com homens.
Elvirinho (Luiz Lerro), por sua vez, podia se manter involuntariamente à margem dessa margem, dado o autismo, mas sucumbirá como uma espécie de "ímã" na ciranda tragicômica.
O pai, o barbeiro Josué (Fabio Furtado), é um beberrão que gosta de prostitutas. A mãe, Helenilde (Silvanha Stein), chafurda na lamentação de passado que não lhe dá trégua. Segundo Eid Ribeiro, a desagregação desse núcleo representa simbolicamente a sociedade que o cerca.
O diretor procurou escapar ao realismo chapado das cenas. "Há toques de distanciamento, de estilização, para não facilitar a emoção bruta de alguns momentos." Ele já encenou Kafka e Beckett em sua companhia, a Absurda. Ao diretor, juntou-se uma nova geração por meio da cia. Acômica, criada há quatro anos e revelada por uma montagem de "As Criadas", de Genet.


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