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CINEMA/ESTRÉIAS
Jorge Furtado critica cinema brasileiro
Diretor diz que "Saneamento Básico - O Filme", seu quarto longa, que estréia hoje, é "comentário" sobre produção nacional
Para cineasta gaúcho, diretores brasileiros abusam do "erro" e descuidam da busca pela "comunhão com o público, que a arte requer"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
No quarto longa que escreve
e dirige, o gaúcho Jorge Furtado quis justapor o mínimo indispensável no padrão da civilidade (o saneamento básico) ao
que considera o máximo da sofisticação criativa humana (o
cinema). Fez a comédia "Saneamento Básico -O Filme",
que estréia hoje e sobre a qual
ele fala na entrevista a seguir.
FOLHA - "Saneamento Básico - O
Filme" é sobre o capital, tema de
seus longas anteriores, como observou o crítico Ismail Xavier?
JORGE FURTADO - É verdade que
todos os meus filmes falam de
dinheiro, de ascensão social e
de exclusão. Acho que há algumas coisas recorrentes, que escrevo sem me dar conta. O que
percebo mais claramente é que
tento não fazer fábulas moralizantes. Os filmes não têm moral, não julgam os personagens,
que são um pouco amorais.
FOLHA - Mas não diz respeito à moral o mote "Se é para fazer, melhor
fazer bem feito", repetido no filme?
FURTADO - Não, nesse caso é
uma ironia total, porque eles
estão fazendo pessimamente
[dentro do filme, o vídeo "O
Monstro do Fosso"]. Quer dizer, é irônico nos personagens,
mas é também um comentário
meu sobre cinema brasileiro:
"Cinema brasileiro, se é pra fazer, melhor fazer bem feito!".
FOLHA - É um comentário sobre o
cinema brasileiro ou sobre o modo
de produção do cinema brasileiro?
FURTADO - Sobre como se faz cinema no Brasil também. Não
quero ficar criticando colegas,
mas falta um pouco de autocrítica. Acho o cinema brasileiro,
na média, melhor do que o
americano. É mais adulto, mais
conseqüente, mais interessante. Não saio de casa para ver
"Transformers" nem "Harry
Potter". São uma fórmula industrial, sem cara, resultado de
600 reuniões e testes de público, feitos para chegar a algo que
agrade a todo mundo.
O cinema brasileiro tem a
força do erro, a assinatura de
uma pessoa. Mas a força do erro
também tem limites. Falta, às
vezes, pensar melhor o roteiro,
a narrativa, a decupagem, enquadrar melhor. Falta trabalho
pensando no público, não só na
satisfação pessoal de fazer algo,
porque arte requer comunhão.
FOLHA - Não acha que o título "Saneamento Básico - O Filme" sugere
ao público a idéia de ser um documentário, e não uma comédia?
FURTADO - Só se a pessoa olhar
apenas o título, porque com Camila Pitanga, Lázaro Ramos e
Bruno Garcia não é um documentário! Uma das primeiras
coisas que escrevi nesse roteiro
foi o título, porque saneamento
básico é o mínimo, e o filme é o
máximo. O cinema é a mais
complexa das formas de expressão. Ninguém gosta desse
título. Briguei por ele. Cheguei
a dizer que, se alguém sugerisse
um melhor, eu trocaria. Nada!
FOLHA - É verdade que você está
adaptando seu livro "Trabalhos de
Amor Perdidos" (Objetiva, 2006) para Fernando Meirelles filmar?
FURTADO - Fernando é um bocão! Três meses depois do livro
lançado, ele me disse que queria filmar. Falei que achava ótimo. Filmagens em Nova York?
Não tenho dinheiro para fazer
esse filme. Sou o maior "barriga
fria", adoro contar notícia boa,
mas não falei isso nem para a
minha mãe. Aí o Fernando vai
pra Cannes e dá uma coletiva!
O cara é doido! Acho que ele vai
fazer... Diz que quer fazer.
FOLHA - Você não quis filmar essa
história porque teria que ser em NY?
FURTADO - Ah, nos Estados
Unidos... não filmo longe de casa. Não saberia fazer. Meu inglês não dá para dirigir ator. Para escrever o roteiro, ainda me
viro, mas dirigir nos EUA e em
inglês? Não faria isso... Trabalho em grupo, com uma turma
que faz filmes junta há 20 anos,
e me sinto totalmente à vontade. Agora vou para uma equipe
de americanos?
FOLHA - Ficará à vontade com outro diretor filmando um roteiro seu?
FURTADO - Sim. O Fernando é
muito melhor diretor do que
eu. Vai fazer um filme melhor
do que eu faria. Ele é diretor
mesmo, o cara que gosta de ir
pro set, pensar [o uso da] câmera. Eu sofro muito para dirigir.
FOLHA - Sofre por quê?
FURTADO - Tenho aprendido a
me divertir mais. Mas tinha a
sensação de que o roteiro sempre piorava quando filmado. O
filme ideal, para mim, era o roteiro. Vou filmar, tem o barulho
da geladeira, chove, vem um
monte de coisas da realidade
que não estavam no roteiro. Eu
me irritava muito dirigindo.
Agora aprendi um pouco a ver
que o roteiro também melhora
com a realidade e os atores.
FOLHA - Qual é seu próximo filme?
FURTADO - Estou escrevendo
três roteiros. Descanso de um
em outro. Um nem sei se vai ser
filme ou virar livro. Mas dois
vão ser filmes, um dia. O próximo eu chamo de "Beleza", mas
não sei se vai ser esse o título.
FOLHA - Tomara que não...
FURTADO - Tomara que não. [risos]. É uma história de quatro
personagens, numa cidadezinha do Rio Grande do Sul. O
que tem de diferente para mim
é que é um drama.
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