São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2005

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Ferréz reúne dez autores marginais em antologia que aborda temas como pobreza e agruras sociais

Mensagens da Margem

Fernando Moraes/Folha Imagem
Erton Moraes, 38, morador de Osasco, um dos autores do livro "Literatura Marginal", compilado durante quatro anos por Ferréz


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Quanto às margens, à periferia, não basta habitá-las, vivê-las dia a dia. É preciso ingerir a favela, alimentar-se do subúrbio, cultivar zonas limítrofes, arrabaldes. Sim, comer pelas beiradas. Desenvolver e valorizar essa cultura, em tudo e na literatura, é o princípio fulcral, para não dizer central, de uma coletânea de textos recém-lançada em livro pela editora Agir: "Literatura Marginal - Talentos da Escrita Periférica".
Trata-se de uma reunião de contos e poemas de dez escritores que não se envergonham de suas origens pobres e da situação social precária de suas vizinhanças. Menos ainda, no entanto, se resignam com ela. Querem é transformá-la. Grajaú, Itaim Paulista, Osasco, uma Bahia das barracas dos Alagados que outros não cantaram, uma comunidade de pescadores de Pelotas, no RS. Todo um Brasil das margens revisitado pelas palavras desses jovens e não tão jovens, negros e não tão negros, que o conhecem de vida vivida, pelo empirismo de enfrentar suas agruras todos os dias.
É Ferréz, autor já reconhecido em meios literários por seu "Capão Pecado" (Labortexto), quem vem reunindo os escritores e compilando esses textos há mais de quatro anos, em parceria com a revista "Caros Amigos". É ele, também, quem define na introdução um preceito fundamental: "Literatura de rua com sentido, sim, com um princípio, sim, e com um ideal, sim, trazer melhoras para o povo".
Em entrevista, não tem pudores em assumir que, na seleção de autores e obras, não prima pela qualidade literária dos textos. "Exijo principalmente o conteúdo. Pego o texto e olho se tem uma mensagem. O resto cada um decide: a forma, o assunto. Não é obrigado a falar só sobre marginalidade."
Engana-se quem espera da coletânea um sem-número de textos pouco elaborados ou panfletários em estrito senso -embora estes e os outros não estejam absolutamente ausentes. A linguagem oscila entre a aspereza do rap e uma busca por vezes mais lírica, de um lirismo que não mascara a condição do autor e não busca amolecer o leitor. "No céu que a pólvora encobre as estrelas, ela não pode voar, no chão minado com trincheira e soldados, ela não pode pousar", escreve Eduardo Dum-dum. Sim, com a incorreção gramatical que não deixa de ser poética.
Ferréz explica a prática, consciente de que nem todos os autores da antologia concordam ou se submetem a ela: "A gente escreve em favelês mesmo. É mais fácil fazer uma linguagem para o povo entender do que uma linguagem mais rebuscada. A idéia é que mais gente leia".
Tem-se, então, uma estética e um manifesto próprios. Paira a inevitável pergunta: trata-se de um movimento? Ferréz responde: "Para pobre, tudo é pretensão, você falar de movimento. Agora, quando cinco ou seis escritores de classe média se juntam, todo mundo fala que é uma nova coisa literária. A gente faz e...".


Literatura Marginal
Organizador: Ferréz Editora: Agir Quanto: R$ 29,90 (134 págs.)




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