São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2005

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ROMANCE/"O HISTORIADOR"

Saga trilha bom caminho sombrio

ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma pessoa comum encontra algo incomum que a leva em uma jornada fantástica, em que ela será constantemente confrontada com seus próprios medos e angústias, até transpô-los e alcançar uma espécie de redenção. Sim, é uma fórmula -mas não foi o marketing que a inventou. Joseph Campbell que o diga.
É mais provável que tenha sido o contrário, que a história tenha inventado o marketing para que pudesse ser contada para mais e mais pessoas. Sejam as odisséias de Ulisses, o país das maravilhas de Alice, a Terramédia de Tolkien etc. A saga é um formato testado e aprovado muito antes do próprio mercado de histórias.
Mas, depois que essas histórias encontraram em rios de dinheiro o melhor caminho para serem multiplicadas, saíram das palavras impressas e passaram para as imagens em movimento. Com o século 20, o cinema assumiu o papel do papel, e a luz tornou-se o narrador. Todas as histórias foram para a tela. Seduzidos pelas imagens, tornamo-nos mais objetivos e impressionáveis, menos sutis e críticos. O texto tornou-se um acessório para o cinema.
Mas três filmes parecem ter prenunciado o esgotamento desse formato. "2001", "Guerra nas Estrelas" e "Matrix" saúdam a transferência de mãos do poder hollywoodiano ao mesmo tempo em que gera outro veículo -o livro como subproduto. Graças à odisséia de Kubrick, as pessoas leram ainda mais Arthur C. Clarke; a saga de George Lucas gerou inúmeros livros, enquanto a dos irmãos Wachowski nos linkava a Baudrillard, Ballard e K. Dick. Um arco ainda menor, de megaproduções baseadas em megassucessos literários ("O Senhor dos Anéis", "Harry Potter") consagrava um movimento proporcional à nova decadência dos estúdios: as pessoas voltaram a ler. "O Código Da Vinci" e seus sucessores diretos são só o começo dessa história.
Elizabeth Kostova dá continuidade -virando a página com seu "O Historiador". O sucesso desses livros não é a Igreja Católica, mistérios do passado ou a ligação com Jesus Cristo, e sim o fato de apresentarem, ao mesmo tempo, descrições artísticas, arquitetônicas, históricas, ritualísticas etc. de assuntos que estão longe do nosso dia-a-dia. Kostova deixa o cristianismo de lado e vai para o outro lado, a escuridão. E vai bem.
Como na tradicional saga, uma adolescente descobre pistas que a levam para um mundo de dor e sofrimento, à medida em que a autora nos apresenta a história de Vlad, o Empalador, cruel genocida da Idade Média que inspirou Bram Stoker a escrever "Drácula". Por trás de sua história, a protagonista se depara com a sociedade de preservação da maldade, uma linhagem secular que atravessa os séculos até nossos dias. Deixe Maria Madalena e a Mona Lisa de lado -as sombras assumem a direção.
E Kostova flui bem. Tanto pela história quanto geograficamente -somos apresentado à história do Leste Europeu, com impérios otomano, bizantino e União Soviética ressurgindo dos mortos à medida em que a história, contada em três tempos diferentes, se desenrola. Mais Dan Brown que Anne Rice, "O Historiador" é outro tijolo na pavimentação da estrada de volta à leitura. A história é a mesma -o que importa é o que acontece no caminho.


O Historiador
    Autora: Elizabeth Kostova
Editora: Suma de Letras/Objetiva
Quanto: R$ 44,90 (540 págs.)




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