São Paulo, sábado, 20 de setembro de 1997.



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1977, o ano que não acabou

Duas décadas depois da invasão da PUC-SP, a Fundação Perseu Abramo realiza o seminário

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Há 20 anos, em 22 de setembro de 1977, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) sediava o 3º Encontro Nacional dos Estudantes, reunião que visava à reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE).
O Batalhão de Choque da Polícia Militar, comandado à época pelo coronel Erasmo Dias, invadiu a universidade com truculência e prendeu mil pessoas. Mal se sabia que, depois dessa noite fria, o Brasil não seria mais o mesmo.
Para lembrar a data, a Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), realiza, a partir desta segunda-feira, na sala 239 (a mesma da reunião) da PUC-SP, o seminário "20 Anos - Reorganização do Movimento Estudantil".
Por trás do título, esconde-se parte da história política e cultural brasileira -em debate, a identidade juvenil e a vivência universitária dos anos 70.
1977 foi um ano e tanto. Sob o calor da repressão, o combustível das decisões era a paixão. Com a bandeira "Liberdades Democráticas", uma numerosa massa de jovens se uniu para contestar. Nas mãos dos estudantes, estava a vanguarda. Simples. Quase nada acontecia no cenário cultural.
A censura fez do meio universitário um pólo de cultura -não por outro motivo, Milton Nascimento lançava seus discos na USP, Gilberto Gil dava shows no anfiteatro da Unicamp, Chico Buarque, na Faculdade de Medicina, e Zé Celso intervinha no congresso da UNE, em Salvador.
Enquanto os cinemas exibiam "Aeroporto 77", uma enxurrada de cineclubes nascia para exibir filmes censurados de Godard, Bodansky e Buñuel. 1977 foi o ano da virada, do recomeço e da reconstrução. Era a refavela. A refazenda.
Depois da morte do jornalista Vladimir Herzog (75) e do operário Manuel Fiel Filho (76), torturados nas dependências do 2º Exército, em São Paulo, o braço civil do regime militar se rompeu. Igreja, Ordem dos Advogados, imprensa e parte do empresariado entravam nas fileiras da resistência.
Levantou-se a censura à imprensa. Entidades estudantis se reorganizaram. Em poucos meses, o impensável: passeatas nas ruas pediam democracia e anistia política.
No início, as manifestações se restringiam ao campus universitário ou ao interior de igrejas cercadas por tropas de choque e carros de combate; nos céus, helicópteros do Exército.
Era uma aventura ir estudar. A intimidação não surtia efeito. Mais e mais estudantes se engajavam no movimento. O jargão da burocracia de assembléia entrou de vez no vocabulário dos universitários: "companheiro", "questão de ordem", "conjuntura", "manobra", "sectarismo".
Para se diferenciar do rigor imposto pela esquerda revolucionária, no entanto, os líderes dos estudantes tinham apelidos como Marcelo Bundão, Bebê Diabo, Cara de Cavalo e Babaca.
A massa ia se fragmentando em várias tendências, que, como times de futebol, tinham fiéis seguidores. Refazendo era a tendência mais numerosa. Hábil em alianças, papou as eleições diretas do primeiro DCE (Diretório Central dos Estudantes) livre da USP, da União Estadual dos Estudantes (UEE) e da UNE.




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