São Paulo, sábado, 20 de setembro de 1997.



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1977-1997
Geração dos 70 comemora conquistas

especial para a Folha

"A maré estava boa para todos nós", lembra o bancário Geraldo Siqueira, à época liderança da Refazendo. "Carter tinha sido eleito nos EUA, o MDB ganhou aqui, as festas estavam ficando grandes, o rock se consolidava na esquerda."
Liberdade e Luta, ou Libelu, era trotskista. Enquanto se discutia o que gritar em passeatas (algo que unisse o povo, como: "Pelas liberdades democráticas"), a Libelu ia na frente e, sem papas na língua, gritava: "Abaixo a ditadura!".
"A Libelu era mais radical, mais ousada, mais intolerante. Isso angariava simpatias. Se a juventude era rebelde, nós éramos os mais", lembra Ricardo Melo, hoje editor-sênior da TV Bandeirantes, à época liderança da Libelu.
"Diziam que nós éramos os Beatles, e a Libelu, os Rolling Stones", completa Siqueira.
"Era a época de fusão de várias correntes culturais. Rock mais MPB. O que importava era manter a identidade como resistência", diz Alon Feuerwerker, diretor de desenvolvimento do Universo Online, à época da liderança da Caminhando.
"A música 'O Que Será' dizia: 'Estão acendendo velas nos becos, e todos os meninos vão desembestar'. Foi isso que aconteceu. Desembestamos", diz Siqueira.
"Diferentemente da geração dos anos 60, a nossa é vitoriosa. Todas as bandeiras foram conquistadas", completa Feuerwerker.
"A geração anterior sofreu uma derrota atrás da outra. A nossa, não. Mas a responsabilidade não era só nossa. Havia uma insatisfação generalizada. Logo depois vieram as greves do ABC. Pegamos uma fase diferente", afirma Melo.
A linguagem de HQ invadia as ruas. Na forma de grafites, nasciam os primeiros fanzines, e os skates começaram a disputar espaço com os carros. 77 foi o ano do fortalecimento da cultura urbana.
"O ano de 1977 marca a tomada de consciência de um Brasil industrializado", diz Feuerwerker.
Havia dois tipos de festa, a dos ortodoxos e a dos heterodoxos. Os primeiros mantinham-se fiéis à "revolução". O hit era "Caminhando e Cantando" (Vandré). Os segundos preferiam "Expresso 2222" (Gil) e "Over the Hills and Far Way" (Led Zeppelin).
A festa ganhava um duplo sentido. Era um ato de contestação; negava-se o som que tocava em discotecas. Era a maneira de reagir contra o conformismo narcisista proposto pela era "disco".
Era não pagar pela cultura oficial, mas criar espaços alternativos. Parte dos jovens se recusava a pisar num shopping center: costurava sua própria roupa, comprava acessórios em feiras hippies.
Pregava-se o fim da sociedade de consumo. A filosofia: "Do it yourself" (faça você mesmo).
Palavras como "independente" e "alternativo" ganharam relevância. Nascia o pólo de cinema independente da Vila Madalena (zona sudoeste paulistana). Uma nova cultura disputava espaço com os barões do sistema.
"Foi quando começou a se pensar na questão das drogas, no homossexualismo, na cultura de periferia", diz Marcos Caloy, ex-diretor da UEE, atual coordenador do Escritório de Ação Cultural da Unicamp.
Hoje, o que era independente virou oficial, o que era tendência é partido, o rock e o skate foram industrializados, e os sinais de rebeldia podem ser comprados com cheques pré-datados em qualquer shopping center. O ano de 1977 fez história. (MARCELO RUBENS PAIVA)




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