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Artista Francis Alys encontra paz no olho do furacão
O belga radicado no México mostra na Bienal de São Paulo um filme com oito anos de caça às tempestades
Ele compara a violência dos redemoinhos às convulsões políticas do país e lança livro com os bastidores de sua obra
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
No olho de um furacão,
Francis Alys encontrou a graça e a paz de uma igreja.
"Entrar não é difícil", conta o artista, que passou os últimos oito anos indo atrás de
redemoinhos de pó. "Tem
uma corrente de vento e areia
muito agressiva em volta,
mas, lá no meio, é calmo, monocromático, até sublime."
Ele trocou a Bélgica natal
pelo México e a arquitetura
pela arte. Do outro lado do
oceano, empurrou um bloco
de gelo pelas ruas ardentes
da capital mexicana, fez um
Fusca decrépito subir uma
montanha e filmou umas 30
horas de furacões em rodopio pela paisagem agreste.
De certa forma, sua obra
balança entre sensações de
otimismo e derrota, esforços
inúteis em busca de incertezas muito ou pouco plásticas.
SILÊNCIO SUBLIME
"Não sei se procuro beleza, graça ou redenção", afirma Alys, que mostra seu filme dos furacões na Bienal de
São Paulo. "Só acredito que,
nesse caso, houve uma busca
por um silêncio sublime, por
ordem e paz num lugar estranho, como se experimentasse o que é estar à beira da ruína, de um colapso interno."
Na edição da Bienal que
começa no próximo sábado,
com a intenção de mostrar
arte surgida à luz da política,
Alys parece estar mais uma
vez no centro de um furacão.
Não é panfletária sua obra,
nem denuncia algo com clareza, mas trata desse estado
latente, de uma ordem primeva sob uma grossa camada de caos na superfície.
Qualquer semelhança
com a história de uma região
que atravessou ditaduras,
moratórias e outros terremotos não é coincidência nesse
seu desfile de tempestades.
"Foram oito anos de trabalho e, nesse tempo, a situação política mudou muito,
acabou distorcendo o filme",
afirma Alys.
"Alguns viram isso como
experimento cinematográfico, mas sei que é uma resposta ao lugar onde vivo."
Nesse lugar, um partido
que passou mais de 70 anos
no poder foi substituído por
outro, não sem traumas, no
início desta década. Há quatro anos, o vencedor das eleições teve a vitória contestada
pela oposição, instaurando
uma situação de incerteza
que ainda causa seus abalos.
"Foi um momento caótico
na história do país [o México], e eu estava viciado em
caçar furacões", lembra Alys.
"Via a emergência da ordem numa situação de desordem, o colapso do Estado está presente, você sente isso
quando está no olho de um
furacão", afirma.
PRECONCEITO
Sente, mas não vê. Do lado
de dentro, Alys explora uma
paisagem homogênea, um
denso monocromo marrom
dotado de paz enganosa. "É
tudo dessa cor", diz apontando para uma fotografia do furacão. "É como estar dentro
de uma grande escultura."
Mas Alys, que diz "iludir o
espectador para desmentir
seus preconceitos", buscando um equilíbrio entre poesia
e militância, também quis
mostrar o que estava por trás
das formas desse furacão.
No livro "Numa Dada Situação", que lança hoje em
São Paulo, pela Cosac Naify,
mostra os desenhos, estudos
e recortes de jornal que fez
nas noites depois de editar o
filme que está na Bienal, como uma espécie de estrutura
secreta do trabalho.
"Editar a obra foi uma sensação visceral, não havia plano", lembra o artista. "Precisava de coisas que me ajudassem a pensar, palavras e
conceitos que não explicam a
obra, mas traduzem os bastidores de todo esse processo."
EQUILÍBRIO FRÁGIL
Nas páginas do livro, desenhos abstratos contrastam
ideias de "governo" e "desgoverno", mapeiam áreas
chamadas "caos", "controle", "abandono", "tumulto".
Isso porque foi ali que encontrou paz na urgência de
dizer as coisas. "Tudo parece
ser um pequeno milagre, é
um milagre que o trânsito
flua, que um regime fique no
poder", diz. "É um equilíbrio
muito frágil que funciona."
NUMA DADA SITUAÇÃO
AUTOR Francis Alys
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$100, 160 págs.
LANÇAMENTO hoje, às 19h30, na
loja de artes da Livraria Cultura
(av. Paulista, 2.073,
tel. 0/xx/11/3170-4033)
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