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Leia trechos de "Afeganistão e Irlanda"
DA REDAÇÃO
Leia abaixo trechos de "Afeganistão e Irlanda", de Eça de Queirós, que integra a coletânea "Cartas de Inglaterra". No Brasil, o texto está nas "Obras Completas de
Eça de Queirós", publicadas pela
editora Nova Aguilar.
"Os ingleses estão experimentando, no seu atribulado império
da Índia, a verdade desse humorístico lugar-comum do século 18:
"A história é uma velhota que se
repete sem cessar".
O fado ou a providência, ou a
entidade qualquer que de lá de cima dirigiu os episódios da campanha do Afeganistão em 1847,
está fazendo simplesmente uma
cópia servil, revelando assim uma
imaginação exausta.
Em 1847 os ingleses, "por uma
razão de Estado, uma necessidade
de fronteiras científicas, a segurança do império, uma barreira
ao domínio russo da Ásia..." e outras coisas vagas que os políticos
da Índia rosnam sombriamente,
retorcendo os bigodes, invadem o
Afeganistão, e aí vão aniquilando
tribos seculares, desmantelando
vilas, assolando searas e vinhas:
apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado
nas bagagens, com escravas e tapetes; e, logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o Exército, acampando à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz. Assim é exatamente em 1880.
No nosso tempo, como em
1847, chefes enérgicos vão percorrendo o território e, com os grandes nomes de pátria e de religião,
pregam a "guerra santa": as tribos
reúnem-se, as famílias feudais
correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se
no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e
em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamento
nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a estrada da Índia. E,
quando por ali aparecer, enfim, o
grosso do Exército inglês, à volta
de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente,
por entre as gargantas das serras,
no leito seco das torrentes, com as
suas longas caravanas de camelos,
aquela massa bárbara rola-lhe em
cima e aniquila-o. (...)"
"Uma manhã avista-se Candahar ou Gasnat -e, num momento, é aniquilado, disperso no pó da
planície o pobre Exército afegão,
com as suas cimitarras de melodrama e as suas veneráveis colubrinas, do modelo das que outrora fizeram fogo em Diu. (...)"
"(...) No entanto, em desfiladeiro e monte, milhares de homens
que, ou defendiam a pátria ou
morriam pela fronteira científica,
lá ficam, pasto de corvos -o que
não é, no Afeganistão, uma respeitável imagem retórica: aí, são
os corvos que nas cidades fazem a
limpeza das ruas, comendo as
imundícies, e em campos de batalha purificam o ar, devorando os
restos das derrotas. E de tanto
sangue, tanto luto, que resta por
fim? Uma canção patriótica, uma
estampa idiota nas salas de jantar,
uma linha de prosa numa página
de crônica. (...)"
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