São Paulo, Sábado, 20 de Novembro de 1999
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ANÁLISE

Conhecer as limitações e projetar na escala metropolitana

REGINA MEYER
especial para a Folha

A partir dos anos 50, consolidou-se no país uma rede de metrópoles onde passaram a viver, a partir de 1990, segundo o IBGE, cerca de 60 milhões de pessoas.
Ao fim da década de 90, essa rede metropolitana tornou-se o centro dos mais importantes problemas urbanos do país. Nela se concentram os maiores índices de pobreza urbana e violência.
Em São Paulo hoje coexistem setores urbanos de modernização compulsória e setores de precariedade sem perspectivas de transformação a curto prazo.
O dilema pode ser descrito como composto por dois pólos que pressionam simultaneamente. Em um deles, prevalece a pressão da adaptação da metrópole para que se criem condições para a instalação de uma cidade global. No outro, nos deparamos com a pressão para promover simultaneamente as políticas públicas que as demandas sociais, acumuladas no período de industrialização acelerada, exigem.
A compreensão dos fenômenos urbanos atuais implica a análise de um arco histórico iniciado nos anos 50, com a criação do poderoso distrito industrial paulista, o ABC, e que alcança os anos 90, quando a globalização atinge pesadamente o modelo produtivo e a própria metrópole.
Os dados sobre qualidade de vida na área metropolitana, ao longo de cinco décadas, mostram que produziu-se em São Paulo um processo que denominamos "urbanização sem cidade", cuja principal característica é a formação de territórios urbanos nos quais predomina a ausência dos atributos essenciais da organização físico-espacial da cidade.
A ausência de uma política urbana nos diversos níveis de poder público está criando um processo acelerado de desorganização na ocupação das áreas consolidadas.
Não faltaram, aos mais atentos profissionais e pensadores das questões urbanas, informação e conhecimento para alertar o poder público sobre os efeitos negativos, e até mesmo irreversíveis, que se acumulavam.
Por outro lado, é importante lembrar que o esforço de planejar a cidade confrontou-se com um vigoroso "laissez-faire" urbano, que não pôde ser neutralizado pelas premissas de trabalho, que hoje reconhecemos como insuficientes e inadequadas.
É importante enfatizar que a reestruturação das cidades é um fenômeno mundial, política e economicamente determinado, que visa, acima de tudo, a adaptação às exigências da rede que sustenta o capitalismo globalizado. E que conta com aportes de investimentos públicos e privados.
A revisão indispensável, no que diz respeito ao urbanismo, ao trabalho do arquiteto em todas as escalas de intervenção, reside, nesse momento, em três registros.
Em primeiro lugar, na aceitação de que o seu poder de assegurar as transformações necessárias é mais limitado do que se pensou.
Em segundo, que o fracasso que lhe é imputado não pode ser respondido com um recuo e com um fatalismo diante das vitórias desse "laissez-faire", que se aperfeiçoa sem cessar, atingindo desastrosas dimensões -o exemplo mais atual é a desurbanização a ser criada pela eventual realização do projeto da São Paulo Tower. Denunciá-lo é a arma mais eficaz.
E, em terceiro, que as tarefas que a atual crise urbana apresenta não comportam dogmatismo teórico nem a adoção aleatória de práticas consideradas bem-sucedidas em outros contextos.
Reconhecida a limitação dos pressupostos da intervenção total e desfeito o quadro de referências insuficiente, ou até equivocado, é possível abrir a discussão e fazer face às questões urbanas atuais. E, sobretudo, evitar a perpetuação de desastres e indicar oportunidades únicas que se abrem para São Paulo na última década do século.
A 4ª Bienal de Arquitetura abrigará os trabalhos que vão impulsionar a discussão de questões candentes que afetam a vida urbana, para as quais espera-se do arquiteto uma ação propositiva.


Regina Meyer é arquiteta urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP


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