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ANÁLISE
Conhecer as limitações e projetar na escala metropolitana
REGINA MEYER
especial para a Folha
A partir dos anos 50, consolidou-se no país uma rede de metrópoles onde passaram a viver, a
partir de 1990, segundo o IBGE,
cerca de 60 milhões de pessoas.
Ao fim da década de 90, essa rede metropolitana tornou-se o
centro dos mais importantes problemas urbanos do país. Nela se
concentram os maiores índices de
pobreza urbana e violência.
Em São Paulo hoje coexistem
setores urbanos de modernização
compulsória e setores de precariedade sem perspectivas de
transformação a curto prazo.
O dilema pode ser descrito como composto por dois pólos que
pressionam simultaneamente.
Em um deles, prevalece a pressão
da adaptação da metrópole para
que se criem condições para a instalação de uma cidade global. No
outro, nos deparamos com a
pressão para promover simultaneamente as políticas públicas
que as demandas sociais, acumuladas no período de industrialização acelerada, exigem.
A compreensão dos fenômenos
urbanos atuais implica a análise
de um arco histórico iniciado nos
anos 50, com a criação do poderoso distrito industrial paulista, o
ABC, e que alcança os anos 90,
quando a globalização atinge pesadamente o modelo produtivo e
a própria metrópole.
Os dados sobre qualidade de vida na área metropolitana, ao longo de cinco décadas, mostram
que produziu-se em São Paulo
um processo que denominamos
"urbanização sem cidade", cuja
principal característica é a formação de territórios urbanos nos
quais predomina a ausência dos
atributos essenciais da organização físico-espacial da cidade.
A ausência de uma política urbana nos diversos níveis de poder
público está criando um processo
acelerado de desorganização na
ocupação das áreas consolidadas.
Não faltaram, aos mais atentos
profissionais e pensadores das
questões urbanas, informação e
conhecimento para alertar o poder público sobre os efeitos negativos, e até mesmo irreversíveis,
que se acumulavam.
Por outro lado, é importante
lembrar que o esforço de planejar
a cidade confrontou-se com um
vigoroso "laissez-faire" urbano,
que não pôde ser neutralizado pelas premissas de trabalho, que hoje reconhecemos como insuficientes e inadequadas.
É importante enfatizar que a
reestruturação das cidades é um
fenômeno mundial, política e
economicamente determinado,
que visa, acima de tudo, a adaptação às exigências da rede que sustenta o capitalismo globalizado. E
que conta com aportes de investimentos públicos e privados.
A revisão indispensável, no que
diz respeito ao urbanismo, ao trabalho do arquiteto em todas as escalas de intervenção, reside, nesse
momento, em três registros.
Em primeiro lugar, na aceitação
de que o seu poder de assegurar as
transformações necessárias é
mais limitado do que se pensou.
Em segundo, que o fracasso que
lhe é imputado não pode ser respondido com um recuo e com um
fatalismo diante das vitórias desse
"laissez-faire", que se aperfeiçoa
sem cessar, atingindo desastrosas
dimensões -o exemplo mais
atual é a desurbanização a ser
criada pela eventual realização do
projeto da São Paulo Tower. Denunciá-lo é a arma mais eficaz.
E, em terceiro, que as tarefas
que a atual crise urbana apresenta
não comportam dogmatismo
teórico nem a adoção aleatória de
práticas consideradas bem-sucedidas em outros contextos.
Reconhecida a limitação dos
pressupostos da intervenção total
e desfeito o quadro de referências
insuficiente, ou até equivocado, é
possível abrir a discussão e fazer
face às questões urbanas atuais. E,
sobretudo, evitar a perpetuação
de desastres e indicar oportunidades únicas que se abrem para São
Paulo na última década do século.
A 4ª Bienal de Arquitetura abrigará os trabalhos que vão impulsionar a discussão de questões
candentes que afetam a vida urbana, para as quais espera-se do
arquiteto uma ação propositiva.
Regina Meyer é arquiteta urbanista
e professora da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP
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