São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"ESPELHO PARTIDO"/ROMANCE

Folhetim conta saga da elite catalã

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"Em "Espelho Partido" morre muita gente. Oito ou nove pessoas, se não me engano. Todas tiveram que ir morrendo porque eu quis assim, porque eu fui seu destino." Na frase da catalã Mercé Rodoreda (1908-83), está uma das características mais constantes de sua literatura, a idéia de que um personagem deve surgir por inteiro, de sua construção ao seu desgaste na trama, o que pode significar, muitas vezes, a sua morte.
"Espelho Partido" obedece a um estilo folhetinesco de narrativa, que lembra, por vezes, os livros de Nelson Rodrigues sob o pseudônimo de Suzana Flag, há reviravoltas, drama intrafamiliar e a presença constante e trágica da morte desde o início, como mostra a explicação da própria autora.
O livro acompanha a saga de uma família da elite de Barcelona desde meados do século 19 até pouco depois de terminada a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Dizer que é um romance histórico pode explicar o livro, mas de um ponto de vista um tanto reducionista. Sim, se trata de um romance histórico, mas no qual ela, a História, não se faz notar por fatos ou ditos conhecidos, mas sim como uma força sempre atuante e silenciosa no dia-a-dia.
Tudo gira em torno de uma moça simples que, após desilusão amorosa, se casa com um triste milionário atormentado pelo suicídio de uma amada no passado e se torna a matriarca de uma linhagem marcada pela tragédia.
É um romance sobre uma época em que as famílias carregavam imensos segredos, às vezes em detalhes como uma jóia ou uma foto guardada, noutras na identidade de filhos bastardos, de quem a real paternidade era escondida até o túmulo. Há amores proibidos, fratricídio, traições, suspeita de um incesto, casamentos por interesse. E há a virgem que se mata por não poder realizar sua paixão.
Rodoreda, autora do também celebrado "Praça do Diamante", tem uma habilidade notável para desamarrar todo esse novelo. Seu artifício mais interessante aqui é o de promover um revezamento dos pontos de vista a partir dos quais a história vem à tona. Do patriarca à mais frágil das crianças da família, todos têm sua inquietação pessoal em algum momento como condutora de parte da história. Assim, dilui o protagonismo de um ou outro personagem e faz permanecer no primeiro plano o drama que se vive sob as paredes daquele palacete.
Ao final, uma ratazana entra em cena para contar o que vê sobrar naquela casa. O desfecho, criativo e surpreendente, faz lembrar o fim da saga dos Buendía, em "Cem Anos de Solidão", quando as formigas se apoderam da história de uma família. Ou será que não são todas que acabam assim?


Espelho Partido
    
Autora: Mercé Rodoreda
Editora: Planeta
Quanto: R$ 42 (310 págs.)



Texto Anterior: Livros - Romance: Elias Canetti exorciza seus fantasmas em "Auto-de-Fé"
Próximo Texto: Livros - Teatro: Gênio de Nelson Rodrigues sai em formato de bolso
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.