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COMIDA
chefs na floresta
O mais premiado chef brasileiro, Alex Atala acompanha dois mestres da gastronomia espanhola, Ferran Adrià e Juan Mari Arzak, em viagem pelos sabores da Amazônia
ALEX ATALA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A minha cozinha ganhou
mais sentido depois de conhecer a cozinha espanhola. Eu
queria trazer os chefs de lá para
a minha realidade, deixá-los
imersos não só nos sabores,
mas no conjunto dessa aura
brasileira.
Não posso me esquecer do
momento em que Ferran Adrià
e Juan Mari Arzak desembarcaram no Brasil. Comecei a viver um sonho. Oscilei entre a
profunda euforia, o arrependimento e o medo, mas as coisas
foram transcorrendo bem, e tudo o que podia ser trágico milagrosamente dava certo.
Fechei o restaurante D.O.M.
por um dia. Todos os meus ídolos estavam sentados ali, na
mesma hora, para comer a
mesma coisa. Foi um dia muito
tenso (tomei três calmantes).
Disse que eu queria que levassem daqui o Brasil, mostrar sabores excepcionais, e não fazer
um jantar de alta gastronomia.
Usei o turu, um fruto do mar
de mangue, com um aspecto esquisito, como uma lombriga de
60 cm. Abri um tronco que
trouxe da Amazônia, onde tinha um turu -eles se amontoaram para tirar foto, queriam
pegar, queriam comer direto do
tronco.
Também usei uma fruta chamada cagaita e que o nome é
engraçadíssimo em português
e, em espanhol, mais ainda. Tinha piada e bom humor no ar.
A equipe do D.O.M conseguiu a superação. Foi o meu
jantar do século, talvez tenha
sido o momento mais alto da
minha carreira. E, quando você
chega nesse ponto, pensa: "E
agora?".
Rumo à Amazônia
Acabado o evento, parti para
o momento mais sonhado -entrar num avião com Ferran e
Juan Mari para ir à Amazônia.
Você se desliga do papel de
chef, assume sua personalidade
real. Éramos três apaixonados
por cozinha convivendo quatro
dias intensamente.
A relação de Ferran e Juan
Mari é divertidíssima, eles discutem, brigam e depois dão risada. Parecem os irmãos Marx.
Quando o Juan Mari quer irritar o Ferran, diz: "Senhor da cozinha molecular".
Na chegada a Belém, o Ferran olhava pela janela do avião:
"Achei que estava indo para o
meio da Amazônia". E eu: "E
você está".
Depois de uma recepção
cheia de ingredientes nativos
no hotel, fomos visitar o Paulo
Martins, do restaurante Lá em
Casa, que está muito doente,
quase não fala. Expliquei que
ele era um mestre para mim.
Talvez tenha sido o momento mais emocionante da viagem. Saímos chorando. "Quanta energia tem neste lugar, eu
preciso disso", disse o Ferran.
Por alguns momentos, ele foi o
Fernando Adrià da Costa.
Fomos jantar no Lá em Casa
e comemos extremamente
bem. A cabeça desses caras começou a dar um nó: por que
uma farinha é grossa e outra fina? Por que uma é amarela e
outra não? Por que frutas, peixes, folhas de mandioca...?
Levantamos muito cedo no
dia seguinte para acompanhar
o desembarque do açaí e a chegada dos peixes no mercado
Ver-o-Peso. O Ferran, quando
viu o mercado, onde são comercializadas 30 toneladas de açaí
por dia, começou a pirar.
Também mostrei os restaurantes populares e a cultura do
açaí. Pedi açaí branco, açaí clássico, peixe frito e tapioca, que é
como o caboclo come. "Isso
aqui é um McDonald's", falou o
Ferran, olhando para aquele
monte de barracas.
Saímos da "praça de alimentação" e passamos pelo mercado de castanha. Ferran começou a comer castanha-do-pará
e fazer anotações. Me assustou
o quanto é intensa a relação deles com o produto, como eles
são disciplinados. Anotavam
tudo, textura, acidez, potência
de aroma...
Fomos então ao desembarque dos peixes -uma profusão
de peixes, caranguejos e camarões. Depois, as frutas. Os dois
ficaram lambuzados. No mercado de ervas e verduras, outra
enxurrada. Começaram a entrar em transe.
Como criança
Pegamos um barco em direção a uma casa de farinha. Navegamos por uma hora no rio
Amazonas e fizemos uma caminhada no meio da selva. No caminho, uma árvore de taperebá
carregada. Também vimos formigas gigantes, trilhas de veados, quatis. Quando começamos a ver o processo de fazer a
farinha, seu Juan Mari Arzak,
com seus 66 anos, não conseguiu mais acompanhar a viagem. Existia um claro excesso
de informação. Ficou como
uma criança, sentou-se no
chão, pegou o seu caderno e ficou desenhando, escrevendo,
tentando compreender.
No dia seguinte, fomos à ilha
Mexiana, no arquipélago de
Marajó. Era um momento de
descanso. Juan Mari perguntou: "Aqui se dorme?".
Chegou ao fim, agora vamos
embora. Queria voltar para casa, para o meu restaurante, para a minha família.
Vivi intensamente com esses
caras e acho que eles servem
como exemplo não só de cozinha e de disciplina mas também por serem grandes homens e se colocarem na posição
de aprendizes. Mais: da disponibilidade em ajudar o Brasil,
tentar plantar na cabeça das
pessoas a necessidade de conservar o nosso ambiente por
meio da gastronomia.
Acho que no futuro veremos
mais ingredientes brasileiros
nas grandes mesas do mundo.
Espero que eles nos contaminem com profissionalismo,
simplicidade e honestidade.
ALEX ATALA é chef-proprietário do restaurante
D.O.M. e concedeu este depoimento à repórter
LUIZA FECAROTTA.
LEIA SOBRE O NOVO LIVRO
DE ATALA NA COLUNA DE
NINA HORTA
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