São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Thomas Pynchon cria "bad trip" com policial psicodélico

"Vício Inerente" parodia estilo noir com detetive cabeludo e maconheiro

DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quem já encarou romances como "O Arco-Íris da Gravidade" ou "O Leilão do Lote 49" sabe que Thomas Pynchon não costuma facilitar o caminho do leitor, que frequentemente se perde em curvas no tempo e no espaço, teorias bizarras sobre cultura pop ou física quântica, conspirações políticas e estranhas conjunções históricas.
"Vício Inerente" tem muitos dos elementos que tornaram Pynchon, 73, uma figura cultuada, tanto pela crítica mais acadêmica, quanto pelos órfãos da contracultura.
Mas é bem mais light, sem maiores pretensões e pirotecnias de estilo.
Para começar, o livro pode ser classificado dentro de um gênero, o policial -coisa impensável em relação aos anteriores. Mais precisamente, é um divertido pastiche dos romances de Raymond Chandler (1888-1959) e dos filmes noir.
O personagem central, Doc Sportello, tem muito de Philip Marlowe, o mítico detetive criado por Chandler: atua em Los Angeles, é solitário, arrisca a pele no submundo do crime, vive cercado por belas e misteriosas mulheres e tem um código ético algo romântico, que mal se esconde sob frases de humor cínico.
Mas, como a história se passa em 1970, ele é também cabeludo, maconheiro e "paz e amor". Legítimo representante do movimento hippie, num contexto que ainda inclui o presidente Richard Nixon (1913-1994) e a Guerra do Vietnã, Sportello se vê lançado numa gigantesca "bad trip", com sinistros agentes do FBI, zumbis de uma banda de surf music e assassinos de ativistas em seu encalço.

VIAJANDO
A trama, complicada no limite do improvável, ganha contornos psicodélicos. Quase todos os personagens estão "viajando" em algum momento, o que torna seus pontos de vista pouco confiáveis -a começar pelo próprio detetive. Até o leitor pode se pegar em dúvida: "Foi isso mesmo que eu li?".
Em meio a tudo isso, surgem piadas infames, citações que vão de Pernalonga a Maio de 68, nomes curiosos como Ensenada Slim ou Trilling Fortnight, referências específicas a tipos de maconha e, principalmente, centenas de músicas, que "tocam" a cada página com bandas como Jefferson Airplane, Beach Boys e até Tom Jobim.
Um trabalho nada fácil para o tradutor, que deve ter suado diante de neologismos ("hippiefanias" é o melhor), gírias, siglas e anagramas. Valeria um glossário no final. Fãs na internet (cuja precursora, a ARPAnet, também aparece na trama) fizeram a pesquisa, num site (www.pynchonwiki.com) que comenta o livro.
O próprio Pynchon teria enviado para a Amazon uma lista com a trilha sonora do livro, além de gravar um trailer promocional, repetindo sua surpreendente atuação num episódio da série "The Simpsons", em 2004.

VÍCIO INERENTE

AUTOR Thomas Pynchon
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Caetano Waldrigues Galindo
QUANTO R$ 57,50 (464 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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