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CRÍTICA ROMANCE
Thomas Pynchon cria "bad trip" com policial psicodélico
"Vício Inerente" parodia estilo noir com detetive cabeludo e maconheiro
DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quem já encarou romances como "O Arco-Íris da Gravidade" ou "O Leilão do Lote
49" sabe que Thomas
Pynchon não costuma facilitar o caminho do leitor, que
frequentemente se perde em
curvas no tempo e no espaço,
teorias bizarras sobre cultura
pop ou física quântica, conspirações políticas e estranhas conjunções históricas.
"Vício Inerente" tem muitos dos elementos que tornaram Pynchon, 73, uma figura
cultuada, tanto pela crítica
mais acadêmica, quanto pelos órfãos da contracultura.
Mas é bem mais light, sem
maiores pretensões e pirotecnias de estilo.
Para começar, o livro pode
ser classificado dentro de um
gênero, o policial -coisa impensável em relação aos anteriores. Mais precisamente,
é um divertido pastiche dos
romances de Raymond
Chandler (1888-1959) e dos
filmes noir.
O personagem central,
Doc Sportello, tem muito de
Philip Marlowe, o mítico detetive criado por Chandler:
atua em Los Angeles, é solitário, arrisca a pele no submundo do crime, vive cercado por belas e misteriosas
mulheres e tem um código
ético algo romântico, que
mal se esconde sob frases de
humor cínico.
Mas, como a história se
passa em 1970, ele é também
cabeludo, maconheiro e "paz
e amor". Legítimo representante do movimento hippie,
num contexto que ainda inclui o presidente Richard Nixon (1913-1994) e a Guerra do
Vietnã, Sportello se vê lançado numa gigantesca "bad
trip", com sinistros agentes
do FBI, zumbis de uma banda de surf music e assassinos
de ativistas em seu encalço.
VIAJANDO
A trama, complicada no limite do improvável, ganha
contornos psicodélicos. Quase todos os personagens estão "viajando" em algum
momento, o que torna seus
pontos de vista pouco confiáveis -a começar pelo próprio
detetive. Até o leitor pode se
pegar em dúvida: "Foi isso
mesmo que eu li?".
Em meio a tudo isso, surgem piadas infames, citações
que vão de Pernalonga a
Maio de 68, nomes curiosos
como Ensenada Slim ou Trilling Fortnight, referências
específicas a tipos de maconha e, principalmente, centenas de músicas, que "tocam" a cada página com bandas como Jefferson Airplane,
Beach Boys e até Tom Jobim.
Um trabalho nada fácil para o tradutor, que deve ter
suado diante de neologismos
("hippiefanias" é o melhor),
gírias, siglas e anagramas.
Valeria um glossário no final. Fãs na internet (cuja precursora, a ARPAnet, também
aparece na trama) fizeram a
pesquisa, num site (www.pynchonwiki.com) que comenta o livro.
O próprio Pynchon teria
enviado para a Amazon uma
lista com a trilha sonora do livro, além de gravar um trailer
promocional, repetindo sua
surpreendente atuação num
episódio da série "The Simpsons", em 2004.
VÍCIO INERENTE
AUTOR Thomas Pynchon
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Caetano Waldrigues
Galindo
QUANTO R$ 57,50 (464 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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