São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2000

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TRECHO

Um Açougueiro Sentimental

O Manoel estava, ontem, sacudido de exaltações frenéticas (...).
Embora fosse açougueiro, isso não o impedia de ser um sentimental, um romântico, um artista (...).
O homem foi para o Mangue. Ali chegando, começou a enviar a toda figura feminina que lhe passava ao lado ou à frente um exame meticuloso e penetrante. Chegava ao mais aceso da pesquisa, quando apareceu a figura adequada. Então, Manoel, garboso, elegante, ativo, mostrando a alvura cintilante dos dentes, recitou ao anjo de ternura uma multidão de versos "Fleur du Mal" de Baudelaire.
A doce figurinha, que era uma mulata reforçada, dispôs-se a ficar melancólica. Quando, porém, já ia suspirar e fitar o ocaso, apareceu-lhe o "coronel", temível capoeira. O homenzinho apareceu no momento em que Manoel gemia Baudelaire. Vendo o sedutor da pequena, ele se encheu de ira. Ficou terrível. E não conversou... Puxou de uma faca e feriu, no peito, o sentimental açougueiro. Ato contínuo evadiu-se.
Reclamada a assistência, esta socorreu a vítima que é Manoel Ferreira da Silva, português, residente na praça da Igrejinha.
O palco do drama foi a rua General Pedra, esquina do Carmo Netto.

Trecho de reportagem publicada em "A Manhã" (1º/5/1928, pág. 7), sob o título "Um Açougueiro Sentimental -Agredido a Faca Quando Recitava Baudelaire". Não é assinada, mas o pesquisador Caco Coelho atribui o texto a Nelson Rodrigues



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