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Pelé & Garrincha
"Tabelinha" de Machado de Assis e Joaquim Nabuco é resgatada em volume de cartas
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das "tabelinhas" mais interessantes da história da intelectualidade brasileira está voltando
a campo depois de mais de 60
anos entregue aos ácaros.
De um lado dos envelopes estava o "Pelé" da literatura nacional,
Machado de Assis (1839-1908); do
outro, um "Garrincha" do pensamento brasileiro, Joaquim Nabuco (1849-1910).
O pontapé inicial foi prematuro.
Nabuco era rapazola, 15 anos,
quando o também jovem Machado escreveu no jornal "Diário do
Rio de Janeiro" uma referência
elogiosa a um poema seu.
O pernambucano de calças curtas pegou na pena e postou: "Meu
Caro Senhor..., não sou poeta; as
minhas toscas composições, escritas nas minhas horas vagas,
ainda não pretendem a tanto".
Os dois estavam certos. Nabuco
de fato nunca seria um poeta, mas
Machado de Assis atingira a mosca em vôo. Dizia "avant la lettre"
sobre Nabuco: "Tem o direito de
contar com o futuro".
O futuro eles dividiram em
grande parte. O conjunto de cartas, reunidas por Graça Aranha
em 1923 -quando foram publicadas por Monteiro Lobato-,
não é extenso, mas revela momentos cruciais que os dois viveram durante quatro décadas.
"Machado de Assis & Joaquim
Nabuco - Correspondência", que
a editora Topbooks relança em
parceria com a Academia Brasileira de Letras, traz 53 cartas e um
bilhete trocados pela dupla.
A presença da ABL no relançamento não é fortuita. A Academia
é o tema mais saliente no correio
de Machado e Nabuco, dois dos
componentes do núcleo fundador da instituição.
A linha do tempo do diálogo
dos autores de "Dom Casmurro"
e de "Minha Formação" é cheia de
buracos. De 1865 a 1897 foram
apenas seis envelopes. Daí por
diante, só dava Academia Brasileira de Letras, que havia sido
criada nesse ano.
De quase 50 mensagens, 37 tratavam da instituição literária. Literária? Nem tanto.
Por trás da eleição de não-literatos como Marco Maciel, que entrou para a ABL na quinta-feira,
estavam longos debates dos dois
imortais pioneiros.
Em carta de 1901, Nabuco abre o
jogo. Ele escreve: "V. sabe que eu
penso dever a Academia ter uma
esfera mais lata do que a literatura
exclusivamente literária para ter
maior influência".
Como aponta Graça Aranha
(1868-1931), que além de reunir as
cartas assina detalhada introdução e notas, Machado e Nabuco
queriam que a instituição se chamasse Academia Brasileira (sem o
"de Letras"), assim como a Académie Française. O próprio Aranha seria eleito para a engatinhante ABL aos 29 anos e sem nenhum livro publicado (seu "Canaã" viria mais adiante, assim como a adoção do modernismo e a ruptura com a Academia).
Ainda que as cartas mencionassem políticos que poderiam integrar a instituição, chama atenção
a "apoliticidade" da correspondência. Como nota o historiador
José Murilo de Carvalho, que assina o prefácio da atual edição, "parece ter havido entre Machado e
Nabuco um pacto não escrito:
não se fala de política".
O "pacto" também valia para a
"Revista Brasileira", publicação
que serviu de embrião para a criação da ABL, e para as reuniões da
Academia, como salienta Aranha
(que chama Machado de "o mais
livre dos escritores e o mais conservador dos homens").
A admiração literária/intelectual de ambos também não era o
refrão da toada. Como afirma o
mesmo organizador, "Machado
de Assis seria para Nabuco um escritor seco, frio, privado desta
temperatura que cria, nos espíritos, o sonho e o idealismo."
Além dos temas "acadêmicos",
os dois tratam fartamente de
questões pessoais -e questões
nada comezinhas. Em correspondência que ganha afetividade nos
últimos anos -em 1905 Machado de Assis troca o "Caro Nabuco" com que iniciava as cartas por
"Querido Nabuco"- chama
atenção a forma como o romancista enfrenta a proximidade da
morte, e a famosa melancolia que
se segue a morte de sua mulher,
Carolina, em 1904.
Em 1º de agosto de 1908, Machado fala de um postulante a uma
cadeira na Academia (que só ficava livre com a morte do ocupante
anterior, como hoje): "Não há vaga, mas quem sabe se não a darei
eu! Releve-me estas idéias fúnebres; são próprias do estado e da
idade". Termina sua última carta
com "Tudo isto me abafa e entristece. Acabei". O escritor morreria
60 dias depois.
MACHADO DE ASSIS & JOAQUIM
NABUCO / CORRESPONDÊNCIA.
Organização, introdução e notas: Graça
Aranha. Editora: Topbooks (parceria com
a Academia Brasileira de Letras). Quanto:
R$ 39 (254 págs.).
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