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LITERATURA/CRÍTICA
Em "A Estepe", escritor russo utiliza aspectos da paisagem para definir a alma de seus personagens
Sem malabarismos, Tchecov conduz prosa sutil
RODRIGO PETRONIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O século 20 foi pródigo em
equívocos teóricos no que
diz respeito à arte. Uma dessas
distorções é relativa ao conceito
de modernidade. De tanto se repisar à exaustão que a arte moderna
consiste numa transgressão da
linguagem, acabou-se por transformar esse lugar-comum em algo positivo e, logo, contraditório,
porque é impossível preconceber
uma transgressão sem invalidá-la
em sua essência. Criou-se aquela
famosa (e paradoxal) "tradição da
ruptura" de que fala Octavio Paz,
e perdeu-se o próprio espírito que
move a modernidade e lhe confere sentido. Defini-la é engessá-la.
O mais grave dessa visão é o falseamento que ela gera. Falseamento do valor das obras e das
perspectivas artísticas, que trocam sua base técnica por agregados ideológicos que lhe são extrínsecos. O resultado disso são
problemas de aferição crítica e o
enfraquecimento da discussão estética, onde as obras são legitimadas por conceitos próximos de
campos alienígenas do que da especulação rigorosamente formal.
Lendo a novela "A Estepe - História de uma Viagem", de Anton
Tchecov (1860-1904), nos deparamos com aspectos elementares de
uma boa prosa de ficção que muitas vezes não encontramos mais
por causa dessa hipertrofia de autores "modernos". Seu fio condutor é simples e sem grandes malabarismos temáticos ou estruturais; o desenvolvimento, linear,
porém, sutil na captação de matizes descritivos e psíquicos. Mais
do que boa literatura para leitores,
é uma boa escola para escritores.
Trata-se de uma viagem realizada em uma caleça por um conjunto de personagens: o padre Cristofor, o cocheiro Denishka, o comerciante Ivan Kuzmitchov e seu
sobrinho, foco central da história,
Iegóruchka, conduzido a um distrito não identificado para cursar
o ginásio. No centro das sucessivas situações que se desenrolam, é
o amadurecimento do personagem principal e suas descobertas
pessoais que, de certa maneira,
protagonizam a ação.
A paisagem áspera das estepes,
com seus salgueiros tristes e suas
estalagens soturnas, se torna um
correlato objetivo do que se passa
na alma dos personagens, e estes,
os habitantes de sua própria interioridade, desdobrada na estrada
que os conduz a algum lugar onde
vão buscar algo além da realidade
insuficiente que os constitui.
A Estepe - História de uma Viagem
Autor: Anton Tchecov
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 26 (120 págs.)
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