São Paulo, terça-feira, 20 de dezembro de 2005

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MÚSICA

Echo Sound System e Sapotone and the Love Rockers revitalizam cena do gênero ao absorver influências

Reggae nacional deixa lado hippie e ganha ar moderno

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
Guilherme Sapotone, baterista e vocalista da banda Sapotone and the Love Rockers, que lança CD


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

"Neste grande futuro que se apresenta, você não pode esquecer o passado", disse Bob Marley. Pelo menos no Brasil, levaram a máxima do mestre ao pé da letra.
Enquanto o reggae, principalmente na Jamaica e no Reino Unido, vem se desenvolvendo e acrescentando referências, por aqui as bandas do gênero parecem ter parado numa certa época e lá fincado raízes permanentes. A música tradicional, "roots", e por tabela as mensagens de Bob Marley (1945-81), Peter Tosh (1944-87), Toots & the Maytals e outros por anos serviram como os únicos combustíveis a alimentar artistas brasileiros. Mas isso está mudando, como pode se ver com dois recentes lançamentos nacionais.
Um é o projeto Echo Sound System, dos produtores Pedrinho Dubstrong, Gustavo Sola e Gustavo Veiga -este último, da dupla de rap Veiga & Salazar-, com seu primeiro álbum, "Tempo Vai Dizer". O outro, também em disco de estréia, é o combo Sapotone and the Love Rockers (o CD leva o nome da banda).
Ambos de São Paulo, diferenciam-se do que se faz em, por exemplo, São Luís, a capital do Maranhão e também capital brasileira do reggae, e de artistas similares, como Cidade Negra, Tribo de Jah, Natiruts etc., por colocar no meio de insuspeitas linhas de reggae batidas e melodias tiradas do hip hop, da eletrônica, de música regional e até do rock.
"No Brasil a cena reggae parece ter congelado no tempo. Só existe esse reggae "universitário", com um discurso manjado, sem atualizar em quase nada o som que faziam nos anos 70. Criou-se um círculo vicioso", afirma Pedrinho Dubstrong. "Mas acredito que essa situação começa a mudar."
O Echo Sound System, por exemplo, funciona com vários convidados, entre eles os MCs Funk Buia (Z'África Brasil), Pyroman, Arcanjo e Jimmy Luv. Assim, o grupo parece levar adiante a linha evolutiva de rocksteady, reggae, dub, dancehall, disco, hip hop, reggaeton... "O reggae e a técnica do dub foram responsáveis diretos pelo surgimento do hip hop e da música eletrônica. Nada mais natural do que incorporá-los em nossas produções. Não sei se isso seria como uma atualização do reggae, gosto da atemporalidade de algumas músicas nossas", diz Dubstrong.
Já Guilherme Sapotone, baterista e vocalista do Sapotone and the Love Rockers, traz outras referências. Ele participou ou tocou em discos e em shows de grupos como Los Sea Dux e Instituto, além de bandas de hardcore. "O ponto de partida é o rock porque foi onde comecei, então a pegada é pesada. O disco tem coisas de Jorge Ben, Tim Maia. É um reggae grooveado com um pé no rock, no jazz e na eletrônica", explica.
Por mais que as influências tenham se expandido, muito ainda do que se encontra de interessante nessas e em outras bandas de fora vem do dub, a face mais eletrônica, enfumaçada e experimental do reggae. "É natural a mistura, não vejo como uma bizarrice, seria conservador. Hoje temos muito isso, essa coisa de quebrar barreiras, mas mantendo as referências originais. Não é apenas copiar algo; não existe mais fórmula, os elementos estão aí, você faz a própria fórmula", diz o técnico de som Gustavo Lenza, que mixou o disco de Sapotone.
Organizando festas, movimentando o circuito, o DJ paulistano Yellow P. e os núcleos Digitaldubs (Rio de Janeiro) e Dubversão (SP) são alguns dos agentes dessa tentativa de transformar a cara do reggae nacional. Os participantes do coletivo Instituto são figuras quase onipresentes em discos e shows dessa turma.
"Esse tipo de mistura está vindo à tona agora", afirma o produtor Daniel Ganjaman, do Instituto. "É um reggae com outro contexto, não apenas aquela coisa "paz e amor". O reggae sempre foi forte no Brasil, mas finalmente está saindo do gueto e indo para casas noturnas dançantes."
E vai além. "Lá fora, o Damien Marley [filho de Bob Marley] gravou com Alicia Keys [cantora de soul e funk]. Busta Rhymes [rapper] tem forte influência de reggae, já gravou com alguns cantores jamaicanos. E aqui no Brasil está até havendo conexão com funk carioca. É música para cima, mas sem requinte. Som de rua."


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