São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2008 |
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RODAPÉ LITERÁRIO Casas para conter o caos
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE COLUNISTA DA FOLHA LANÇADOS PELA editora 34, apoiados pela versão 2007 do PAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, os livros mais recentes dos poetas Annita Costa Malufe, nascida em 1975, e Reynaldo Damazio, de 1963, mostram como poesia é uma palavra elástica. "Horas Perplexas", de Damazio, e "Como se Caísse Devagar", de Malufe, são experiências de linguagem típicas da diversidade dos momentos de crise e desacordo, sem receita pronta. O leitor de "Horas Perplexas", por exemplo, ainda encontra uma reunião de "poemas" peritos (leia-se, textos breves, intrincados, saturados de imagens e enlace expressivo de som e sentido), organizados em torno de um eu. Por mais múltipla e vacilante que esta máscara do poeta se anuncie, não está em jogo a autoridade que a tradição confere à primeira pessoa, âncora gramatical e chancela do gênero. Para Damazio, mesmo que a pena da galhofa volta e meia palpite, como em "Pagode" ("poeta boa praça/ rei da preguiça/ toma cachaça/ arrota lingüiça"), a palavra final parece ser da tinta da melancolia. Na esteira moderna, a experiência em foco é a da entropia, da esterilidade, do poeta acuado pelo mundo hostil ("ninguém veio avisar que o tempo/ não conta, que o balanço não fecha,/ e que o sentimento de impotência será/ a grande conquista, ao menos por hoje"). Sua escrita preserva uma nitidez de contornos claros, mas sem simplificações, evidente nos objetos que recorta (a bibliocasa de Haroldo de Campos, os anjos urbanos, caídos, paulistanos, remetendo a Roberto Piva), que "Como se Caísse Devagar", por sua vez, recusa. O livro de Annita Malufe é uma dramatização contínua da fluidez, tanto da percepção nebulosa (do mundo, de si, dos outros), quanto da linguagem (aproximativa, nunca certeira). Nada de poemas encadeados, mas texto em fluxo quase contínuo - "a sessão começa quando você [o leitor? o autor?] chega", segundo Armando Freitas Filho -em que paisagem interior e exterior, quem percebe e o percebido, compartilham a mesma opacidade. Aqui, o "eu" se reduz a mais uma voz instável entre outras, definindo-se, mínima e provisoriamente, apenas no embate verbal, repleto de suspensões de sentido e elipses ("quais são as pessoas que cabem/ em uma primeira pessoa do singular?"). Em "Como se Caísse Devagar", a linguagem procura um ponto de encontro entre enganoso silêncio e fixidez das coisas no espaço e a algaravia passageira das gentes, a poesia como "uma casa para conter o caos", mas pulsante e sem limites precisos. Arquitetos com pouco em comum, Damazio e Malufe não deixam o leitor ao relento. COMO SE CAÍSSE DEVAGAR Autor: Annita Costa Malufe Editora: 34 Quanto: R$ 27 (152 págs.) HORAS PERPLEXAS Autor: Reynaldo Damazio Editora: 34 Quanto: R$ 23 (80 págs.) Texto Anterior: Crítica/"Antologia Casseta Popular": Humor destoa do "oba-oba" da cena carioca Próximo Texto: Livros / Vitrine Índice |
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