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Crítica/DVD/"Palavra e Utopia"
Filme de Manoel de Oliveira sobre padre Antônio Vieira segue tom político
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O padre Antônio Vieira
foi um grande pensador da língua portuguesa, sabe-se. E um grande
pensador político, poderia
acrescentar Manoel de Oliveira
ao projetar seu "Palavra e Utopia". É um filme sobre a palavra, sem dúvida, sobre as línguas, que circulam diversas ao
longo do filme, e sobre Portugal
e sua pequenez em face da
grandeza que projetava Vieira.
Um filme sobre a justiça, já
que Vieira não apenas sabe se
manifestar sobre a necessidade
de servir à pátria e aturar suas
ingratidões, como, sobretudo, é
contra a escravidão dos negros,
os atentados aos índios, as perseguições aos judeus. Por essas
e outras, será alvo da Inquisição, de que o salvam a sabedoria, o charme e Roma.
De que Vieira fala Oliveira,
em qual Vieira pensa? É menos
o homem de talento incomum,
de palavra inspirada, que visa o
filme, do que o homem cuja palavra usa para o combate. Estamos, portanto, diante de Oliveira, cineasta político.
Não será absurdo pensar em
um Oliveira/Vieira (um Olivieira?). Assim como o padre
orador do século 17, Oliveira
até hoje é mais reconhecido fora de Portugal do que dentro.
Vieira foi um homem de duas
terras, Brasil e Portugal. Que
eram uma, pois o Brasil pertencia ao reino. Oliveira de certa
forma faz aqui um filme de homenagem ao Brasil, onde havia
os índios e os negros. Onde havia, já, os oligarcas que tinham
de ouvir seus sermões de cara
amarrada, quando condenava a
prática da escravatura, o hábito
de viver sem trabalhar etc.
Tinha um pé em cada borda
do mundo: Portugal e Brasil. O
oceano era seu domínio. E várias vezes Oliveira nos mostra
esse movimento das águas, de
um lado para outro do Atlântico, como se fosse preciso sair de
Portugal para apreender o
mundo.
"Palavra e Utopia" é um filme
da palavra. Desde o título. Pois
é com palavras que se faz política. Mas assim como existe aqui
uma política dos sotaques (um
falar português menos acentuado em Luís Miguel Cintra,
um falar brasileiro com certa
distância em Lima Duarte -o
primeiro, o Vieira da idade madura, o segundo, o da velhice),
existe também uma das imagens. Pois, ninguém esqueça,
Oliveira é um cineasta, e não só
isso: é um dos grandes.
A imagem espreita a palavra
todo o tempo. Confronta-a a si
mesma. A sacraliza. Como a
música de que fala Vieira, purifica. Mas também pode servir
de moldura para que melhor se
escute a palavra. E a de Vieira
dói. Ela opõe à palavra do poder
o poder da palavra em liberdade. À Inquisição, a independência. Esse é o Vieira que apaixona e inspira Oliveira. Ao qual
este grande cineasta político
não homenageia: o que faz é sugerir Vieira como intelectual,
homem e caráter exemplar.
PALAVRA E UTOPIA
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 40 (em média)
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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