São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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NELSON ASCHER

Livros em Portugal


Graças a melhorias, hoje em dia vale a pena ler estrangeiros nas traduções portuguesas

UMA DAS agradáveis surpresas que Portugal reserva ao visitante lusófono é seu mercado editorial. As livrarias, convém admitir, não são excepcionais: longe disso. Basta, para demonstrá-lo, lembrar que, em Lisboa, deixando de lado uma eterna exceção, a Buchholz, a melhor livraria é a da Fnac da rua do Carmo, no Chiado. As demais são pequenas, seus estoques incompletos e, para complicar, os livros estão não raro classificados por editoras, não autores. O produto, porém, é melhor. A variedade de títulos e a beleza dos volumes impressiona não apenas quem tenha em mente quão pequeno é o país, mas também quem se recorda de sua situação editorial num passado não remoto.
Os livros portugueses eram toscos e feios, suas capas convencionais e seu papel, de uma qualidade tão baixa (devido ao uso, para barateá-lo, da cortiça farta no país), que as páginas amarelavam rápido, tornando-se ressecadas e quebradiças. A literatura estrangeira estava mal representada, desatualizada e vinha geralmente em traduções sofríveis. A única língua da qual se traduzia bem era o francês. Autores que houvessem escrito em alemão ou russo eram quase sempre vertidos de traduções intermediárias.
Quanto à tradução de poesia ou dos clássicos, a situação era muito melhor até no Brasil. A "Divina Comédia", por exemplo, só apareceu numa tradução versificada e completa em Portugal nos anos 90, isto é, depois de pelos menos três terem saído no Brasil. O mesmo valia para Homero, Virgílio ou Shakespeare, para nem falar da poesia lírica.
Hoje em dia, no entanto, vale a pena ler estrangeiros nas traduções portuguesas. Quanto mais moderno o escritor, mais o leitor brasileiro precisa, é claro, entrar em sintonia com o português lusitano.
Não se trata, ainda assim, de obstáculo intransponível e, no caso da literatura do século 19, nem tal esforço é necessário, o que torna livros como três traduções recentes de Flaubert ("Três Contos", "Salambô", "Bouvard e Pécuchet"), todas realizadas pelo poeta Pedro Tamen, uma alternativa atraente.
O tradutor de poesia mais produtivo da língua, o poeta Vasco Graça Moura, continua trabalhando a todo vapor. Ele, que realizara a primeira "Divina Comédia" em versos de Portugal, além da "Vida Nova" de Dante e dos "Testamentos" de François Villon, trouxe-nos há pouco a primeira versão integral para o português do "Cancioneiro" de Petrarca, bem como seus "Triunfos".
Completou em seguida a tradução dos sonetos de Shakespeare, fez uma seleta de "Os Amores" de Ronsard e atualmente se dedica ao teatro clássico francês: Racine e Moliére. Como o poeta é deputado do Parlamento Europeu, contam meus amigos locais que ele se dedica ao ofício sobretudo durante os vôos entre Lisboa e Bruxelas. Pelo jeito, devem ser muitos e freqüentes.
Certas editoras de lá, como a Cotovia, Relógio d'Água e Assírio & Alvim, dão especial ênfase à poesia lírica, tanto a nacional quanto a de outros povos. Entre as melhores edições recentes que encontrei estão: "Mausoléu" de Hans Magnus Enzensberger em tradução de João Barrento (Cotovia), "Louvada Seja" de Odysséas Elytis (poeta grego ganhador do Nobel) na tradução de Manuel Resende, "Poesia" de Eugenio Montale traduzida por José Manuel de Vasconcelos, ambos da Assírio & Alvim; e "Furor e Mistério" de René Char em tradução de Margarida Vale de Gato (Relógio d'Água).
Ao contrário do que acontecia há uma ou duas décadas, os brasileiros estão cada vez mais bem representados nas livrarias lusitanas, seja Machado de Assis e outros consagrados, seja gente mais nova.
Embora toda editora de nível tenha alguns em seu catálogo, há dois casos que sobressaem: as Edições Quasi lançaram Antônio Cicero, Armando Freitas Filho e Manoel de Barros. E o ensaísta Abel Barros Baptista organizou para a Cotovia uma coleção de 16 volumes chamada "Curso Breve de Literatura Brasileira" que, em tomos elegantes e bem preparados, apresenta nossas letras melhor do que qualquer série publicada aqui.
Finalmente, nossos primos nos superaram no departamento importantíssimo dos livros de bolso. Além do catálogo já longo e respeitável da Europa América e do menor, mas seleto e com volumes mais bonitos, legíveis e duráveis, da Dom Quixote, a novidade no mercado atual é a Biblioteca Editores Independentes, com títulos que vão do "Dom Quixote" notavelmente vertido por José Bento à bela tradução em versos da "Ilíada" feita por Frederico Lourenço. Resta somente esperar que toda essa fartura chegue logo a nossas próprias livrarias, de preferência a preços acessíveis.


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