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NELSON ASCHER
Livros em Portugal
Graças a melhorias,
hoje em dia vale a pena
ler estrangeiros nas
traduções portuguesas
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UMA DAS agradáveis surpresas
que Portugal reserva ao visitante lusófono é seu mercado editorial. As livrarias, convém admitir, não são excepcionais: longe
disso. Basta, para demonstrá-lo,
lembrar que, em Lisboa, deixando
de lado uma eterna exceção, a Buchholz, a melhor livraria é a da Fnac
da rua do Carmo, no Chiado. As demais são pequenas, seus estoques
incompletos e, para complicar, os livros estão não raro classificados por
editoras, não autores. O produto,
porém, é melhor. A variedade de títulos e a beleza dos volumes impressiona não apenas quem tenha em
mente quão pequeno é o país, mas
também quem se recorda de sua situação editorial num passado não
remoto.
Os livros portugueses eram toscos
e feios, suas capas convencionais e
seu papel, de uma qualidade tão baixa (devido ao uso, para barateá-lo,
da cortiça farta no país), que as páginas amarelavam rápido, tornando-se ressecadas e quebradiças. A literatura estrangeira estava mal representada, desatualizada e vinha geralmente em traduções sofríveis. A única língua da qual se traduzia bem
era o francês. Autores que houvessem escrito em alemão ou russo
eram quase sempre vertidos de traduções intermediárias.
Quanto à tradução de poesia ou
dos clássicos, a situação era muito
melhor até no Brasil. A "Divina Comédia", por exemplo, só apareceu
numa tradução versificada e completa em Portugal nos anos 90, isto
é, depois de pelos menos três terem
saído no Brasil. O mesmo valia para
Homero, Virgílio ou Shakespeare,
para nem falar da poesia lírica.
Hoje em dia, no entanto, vale a pena ler estrangeiros nas traduções
portuguesas. Quanto mais moderno
o escritor, mais o leitor brasileiro
precisa, é claro, entrar em sintonia
com o português lusitano.
Não se trata, ainda assim, de obstáculo intransponível e, no caso da
literatura do século 19, nem tal esforço é necessário, o que torna livros
como três traduções recentes de
Flaubert ("Três Contos", "Salambô", "Bouvard e Pécuchet"), todas
realizadas pelo poeta Pedro Tamen,
uma alternativa atraente.
O tradutor de poesia mais produtivo da língua, o poeta Vasco Graça
Moura, continua trabalhando a todo
vapor. Ele, que realizara a primeira
"Divina Comédia" em versos de Portugal, além da "Vida Nova" de Dante
e dos "Testamentos" de François Villon, trouxe-nos há pouco a primeira
versão integral para o português do
"Cancioneiro" de Petrarca, bem como seus "Triunfos".
Completou em seguida a tradução
dos sonetos de Shakespeare, fez
uma seleta de "Os Amores" de Ronsard e atualmente se dedica ao teatro clássico francês: Racine e Moliére. Como o poeta é deputado do Parlamento Europeu, contam meus
amigos locais que ele se dedica ao
ofício sobretudo durante os vôos entre Lisboa e Bruxelas. Pelo jeito, devem ser muitos e freqüentes.
Certas editoras de lá, como a Cotovia, Relógio d'Água e Assírio & Alvim, dão especial ênfase à poesia lírica, tanto a nacional quanto a de outros povos. Entre as melhores edições recentes que encontrei estão:
"Mausoléu" de Hans Magnus Enzensberger em tradução de João
Barrento (Cotovia), "Louvada Seja"
de Odysséas Elytis (poeta grego ganhador do Nobel) na tradução de
Manuel Resende, "Poesia" de Eugenio Montale traduzida por José Manuel de Vasconcelos, ambos da Assírio & Alvim; e "Furor e Mistério" de
René Char em tradução de Margarida Vale de Gato (Relógio d'Água).
Ao contrário do que acontecia há
uma ou duas décadas, os brasileiros
estão cada vez mais bem representados nas livrarias lusitanas, seja Machado de Assis e outros consagrados, seja gente mais nova.
Embora toda editora de nível tenha alguns em seu catálogo, há dois
casos que sobressaem: as Edições
Quasi lançaram Antônio Cicero, Armando Freitas Filho e Manoel de
Barros. E o ensaísta Abel Barros
Baptista organizou para a Cotovia
uma coleção de 16 volumes chamada "Curso Breve de Literatura Brasileira" que, em tomos elegantes e
bem preparados, apresenta nossas
letras melhor do que qualquer série
publicada aqui.
Finalmente, nossos primos nos
superaram no departamento importantíssimo dos livros de bolso.
Além do catálogo já longo e respeitável da Europa América e do menor,
mas seleto e com volumes mais bonitos, legíveis e duráveis, da Dom
Quixote, a novidade no mercado
atual é a Biblioteca Editores Independentes, com títulos que vão do
"Dom Quixote" notavelmente vertido por José Bento à bela tradução
em versos da "Ilíada" feita por Frederico Lourenço. Resta somente esperar que toda essa fartura chegue
logo a nossas próprias livrarias, de
preferência a preços acessíveis.
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