São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

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Arquitetos tentam criar "gramática de museus" no país

Sócios no escritório Brasil Arquitetura, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci constroem agora seis novos centros

Projeto mais ambicioso, o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, pretende oferecer "experiência concentrada do sertão"

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

No marco zero de Recife, à beira do mar, um prédio novo deve ser anexado a um antigo galpão, deixando embaixo um enorme vão livre para que a torre Malakoff não perca a vista que tem para o mar.
Do lado de fora, o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, projeto da firma Brasil Arquitetura que começa agora a sair do papel, lembra o Masp, obra de Lina Bo Bardi na avenida Paulista. Dentro, um córrego artificial irriga salas de exposição, como no Sesc Pompeia, da mesma arquiteta.
Não espanta que Marcelo Ferraz, homem por trás desse novo museu dedicado à memória do sertão, tenha passado 15 anos ao lado de Bardi em projetos museológicos.
Também esteve ao lado de Oscar Niemeyer na adaptação do antigo edifício Castello Branco, em Curitiba, hoje transformado em museu com formato de olho gigante a mirar o centro da cidade.
Agora com o sócio Francisco Fanucci, está tocando outras cinco obras do tipo depois dos prêmios que recebeu com o Museu do Pão, na cidade gaúcha de Ilópolis, e o Museu Rodin, em Salvador.
Juntos no escritório de nome patriótico, a dupla tem se especializado em museus num momento em que o Ministério da Cultura parece dar continuidade à política um tanto ufanista de gestões anteriores de levar uma construção desse tipo a cada um dos municípios do país.
Ferraz chegou a trabalhar no MinC a convite do ex-ministro Gilberto Gil, mas deixou o posto um ano e meio depois. Não sem antes batalhar no Instituto Brasileiro de Museus, órgão interno do ministério, pela expansão de instituições com foco em memória local por todo o país.
"Esses museus não têm nada a ver com a ideia de museu de 200 anos atrás, aqueles que armazenam coisas", resume Ferraz. "Eles devem contar histórias, têm um papel importante a cumprir na sociedade contemporânea, que não é o de falar a língua da Igreja nem a da escola."
De fato, os projetos que executa agora exaltam aspectos imateriais, ligados a noções de identidade local.
Enquanto o mais ambicioso deles tenta criar uma "experiência concentrada de sertão", partindo da figura de Luiz Gonzaga, outros concretizam questões históricas que marcaram de algum modo aquele ponto no mapa.
No lugarejo de Andaraí, na Bahia, um museu vai relembrar a história da mineração ali. Em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o Museu do Trabalho e do Trabalhador deve narrar o histórico da luta sindical. No meio do pampa, ruínas de uma enfermaria da Guerra do Paraguai também viram museu.
"Museus são portadores da identidade de cada lugar", diz Fanucci. "Eles se reportam sempre a uma experiência humana muito forte."

MODERNIDADE AGRESTE
E no plano das formas arquitetônicas, essa experiência roça cânones modernistas que a dupla parece ter herdado de Lina Bo Bardi. Não são formas puras, mas uma modernidade agreste, que não disfarça contrastes entre erudito e popular nem as fortes marcas do tempo.
Todos parecem incorporar ruínas, como a enfermaria no pampa, casebres de garimpeiros e até um engenho de cana-de-açúcar, aos traços arrojados do concreto armado, o vidro estrutural e uma preocupação extrema com a integridade dos materiais.
"Tudo depende da preexistência de circunstâncias históricas, culturais, topográficas", diz Fanucci. "Cada projeto tem sua gramática própria", acrescenta Ferraz. "Mas não existe ainda uma língua fechada dos museus."


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