São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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"DE QUE AMANHÃ... DIÁLOGO"/CRÍTICA

Derrida investiga a desconstrução contemporânea

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A viva voz, com gravador para registrar a conversa entre dois notáveis intelectuais franceses: Jacques Derrida, o filósofo da desconstrução, e Elisabeth Roudinesco, a desbundada historiadora da psicanálise.
Feliz iniciativa, essa, de fazer um livro com a palavra oral e na base do diálogo, porque facilita a compreensão do pensamento de Derrida, que, não raro, deixa o leitor boiando no que escreve, tal como acontece com a maioria dos intelectuais franceses da atualidade.
Hoje já se tornou um lugar-comum o uso (vide as nossas propagandas eleitorais) da palavra "desconstrução", que foi lançada por Derrida em meados dos anos 60. Tomado do léxico da arquitetura, desconstrução significa decompor ou desfazer um sistema de pensamento dominante. É, com outra roupagem lingüística, aquilo que o velho Karl Marx (1818-1883) denominava crítica, ou seja, a anatomia analítica que disseca as coisas e o espírito das coisas.
O livro "De que Amanhã... Diálogo" revela o excelente professor que deve ser Derrida, cuja fala discorre sobre pena de morte como o problema fundamental do direito e da filosofia, a obsessão pelo cigarro e o assédio sexual nos Estados Unidos, a paranóia repressiva em torno da sedução entre professor e aluno, os psicanalistas homossexuais na França, o fetiche do computador correspondente à utilização dos remédios psicoativos, a violência contra os animais, o fracasso do comunismo e a necessidade da revolução, assim como a desmistificação da idéia (moda corrente na década de 70) de que o Gulag carcerário já estivesse embutido na obra de Karl Marx.
O ponto alto desse diálogo acontece quando se aborda a comida contaminada na sociedade contemporânea. O consumo de carne nunca foi uma necessidade biológica, embora sem enveredar pela mistificação do vegetarianismo; afinal de contas, Adolf Hitler era vegetariano. Hoje a péssima comida americana é a globalização agroalimentar representada pelos restaurantes McDonald's. Lembrei-me do saudoso médico mineiro José Róiz, autor do corajoso opúsculo "Esporte Mata", que alertava: a vaca louca vai levar mais gente para o tombo que a Aids.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (ed. Casa Amarela)

De que Amanhã... Diálogo
    
Autor: Jacques Derrida e Elisabeth Roudinesco
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 39 (239 págs.)



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