São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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INTERNET

Falha técnica do site canadense dura uma semana e põe em xeque a legitimidade das críticas e resenhas de livros

Quem critica os livros da Amazon.com?

AMY HARMON
DO "NEW YORK TIMES"

Os observadores mais atentos da Amazon.com perceberam algo de peculiar nos últimos dias. O site canadense da empresa revelou a identidade de milhares de pessoas que haviam postado resenhas de livros anonimamente nos Estados Unidos, sob assinaturas como "um leitor de Nova York". O defeito durou uma semana e foi consertado depois que os resenhistas expostos se queixaram à Amazon.
Isso ofereceu um raro vislumbre da forma pela qual escritores e leitores vêm brandindo as resenhas online como ferramenta para promover ou detonar um livro quando acham que não há ninguém olhando.
John Rechy, laureado com um prêmio do Pen Club dos Estados Unidos por sua carreira e autor de "City of Night" ["Cidade da Noite"], um romance de sucesso publicado em 1963, foi um dos diversos escritores famosos que aparentemente se deram resenhas cinco estrelas, a maior nota na classificação da Amazon, escrevendo sob pseudônimo.
Rechy, que riu da questão quando procurado, encara a prática como uma forma de sobreviver em uma era na qual estrelas em um site de venda online de livros podem significar vendas.
"Para mim é absurdo que qualquer pessoa possa entrar no site e detonar um livro anonimamente", disse Rechy, que depois de apanhado em flagrante admitiu francamente ter elogiado "The Life and Adventures of Lyle Clemens" ("A Vida e as Aventuras de Lyle Clemens"), seu novo romance, no site da Amazon, assinando como "um leitor de Chicago". "Como contra-atacar essas críticas? Entrando no site e rebatendo cada uma delas."
Rechy está em boa companhia. Walt Whitman e Anthony Burgess notoriamente resenharam seus livros sob nomes supostos. Mas diversos escritores atuais dizem que a internet, onde qualquer um, de sua mãe ao seu ex-agente, pode expressar opinião sobre o trabalho de um autor, criou uma necessidade mais urgente de autodefesa.
Sob o sistema da Amazon, qualquer usuário do site pode submeter uma resenha, sem oferecer publicamente qualquer informação pessoal (ou prova de ter lido o livro). A divulgação acidental do nome real dos resenhistas pelo site canadense serviu para muita gente como lembrete de que o anonimato está longe de garantido na internet.
"Foi um erro lastimável", disse Patricia Smith, porta-voz da Amazon. "Examinaremos o que aconteceu e garantiremos que isso não vai voltar a ocorrer."
À medida que os sites da Amazon se expandem, os visitantes ganham mais e mais importância. Mark Moskowitz, um cineasta independente, enviou uma mensagem de e-mail a três mil pessoas na semana passada pedindo que resenhassem o DVD de seu filme "Stone Reader" ("Leitor de Pedras"), que entra no mercado na semana que vem.
"Se vocês não o assistiram mas ouviram dizer que é bom, publiquem mensagens mesmo assim", pediu Moskowitz. "Isso não os compromete em nada, e dizer a verdade é relativo."
Essas recomendações de pessoa a pessoa são vistas em geral como positivas pelos consumidores, que não dependem mais de críticos privilegiados com acesso a câmeras de TV ou às páginas de jornais e revistas para divulgar suas opiniões.
No final do mês passado, em seu programa de entrevistas no rádio, a dra. Laura Schlessinger usou uma ligação sobre uma carta anônima para exprimir sua insatisfação com alguns dos resenhistas da Amazon, que ela classificou como "gente grotesca e esquisita".
Para aumentar a credibilidade das resenhas de seus leitores, a Amazon lançou meios para que os usuários votem na qualidade das resenhas, e criou um ranking com os mil melhores resenhistas. Mas os resenhistas prolíficos especulam que Harriet Klausner, 55, há muito a líder do ranking, não poderia ter lido todos os livros que resenha. Em entrevista por telefone, Klausner, por sua vez, acusou o segundo colocado da lista de pedir votos a outras pessoas, "em uma tentativa desesperada de chegar ao topo".


Tradução Paulo Migliacci

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