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"O DIA EM QUE MATEI MEU PAI"
Obra vê parricídio com finos toques
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O parricídio é dessas pedras angulares na história da
arte. Na literatura, foi abordado
por Dostoiévski, em "Os Irmãos
Karamázov". No teatro, por Sófocles, em "Édipo Rei". Os dois textos são referências freqüentes em
"O Dia em que Matei meu Pai",
do jornalista Mario Sabino, editor-executivo da revista "Veja".
A questão, sem dúvida, marca
os primórdios dos tempos, ou dos
novos tempos. Na mitologia grega, Zeus teve de matar o pai Cronos, o Tempo, não só para não ser
devorado por ele, mas também
para instaurar uma nova ordem.
Da era dos titãs passamos ao domínio dos deuses do Olimpo.
Vale a pena perguntar, então,
por que, após um intróito digno
de Kafka, o parricídio não mude
nada no cerne de "O Dia...". A ordem a que o pai pertence, "dos ricos e poderosos", segue inalterada com toda a banalidade de suas
relações perversas.
Em princípio, nota-se que o
parricida do romance de Sabino é
bem menos um édipo do que um
narciso, que pretende que tudo
gire em torno de si. Desta forma,
não deixa de emular o pai arrogante, que animaliza os pobres e
coisifica as mulheres. Crê ser diferente, mas seu pretenso socialismo é de cartilha e sua erudição redunda na esterilidade. Os dois desenvolvem uma miopia (cegueira,
no final) da vontade, que os impede de ver o mundo a seu redor. Só
observam o próprio umbigo.
Por isso, o assassinato não resulta em nada, no plano alegórico.
O que existe de fato, entre pai e filho, é uma boa dose de desejo homossexual reprimido. O protagonista cobiça as namoradas do pai.
Imagina-o sodomizando-as. Sustentado financeiramente por ele,
diz sentir-se sua "puta". A reciprocidade do desejo revela-se
(embora possa ser intuída antes)
no desenlace melodramático.
Para fugir dessa realidade traumática, o herói inventa mil subterfúgios, recheando de citações
cultas sua narrativa, que vai desfiando para a psicóloga de um
manicômio onde foi encerrado.
Ele não hesita em inserir, no meio
de sua história, um romance de
própria lavra, onde, por meio de
um entrecho tirante a "De Olhos
Bem Fechados", pretende discutir
a genealogia do Mal.
O personagem gosta de esconder-se atrás desses grandes absolutos: Bem e Mal, Deus, o tudo e o
nada. Nesse sentido, alinha-se à
estirpe dos heróis de hoje. Em vez
de mergulharem fundo em sua
psique, constroem-se por meio de
centenas de referências doutas,
que salpicam a todo momento.
A história narrada abunda de finos toques, de Hegel à "commedia dell'arte", sem que esses elementos sejam tratados dramaticamente. Ouvimos falar deles,
mas não os vemos como se viessem da mesma forma que a tinta
no quadro da narrativa.
O resultado são personagens
planos ou amorfos (aliás, o próprio protagonista lembra que um
professor o tachou de ter "cor de
geléia") e tramas que parecem repercutir dezenas de outras.
Tudo talvez não devesse soar
tão sério. Há uma boa dose de humor permeando essas relações,
sobretudo no romance escrito pelo protagonista, chamado ironicamente de "Futuro". Uma comicidade que talvez represente a risada de um louco caçoando de nossa atual ausência de perspectiva.
O Dia em que Matei Meu Pai
Autor: Mario Sabino
Editora: Record
Quanto: R$ 25,90 (224 págs.)
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