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NINA HORTA
Entre gregos e troianos
A noiva, para agradar a família brasileira, trouxe uma mala cheia de queijos e salames
TODO MUNDO que finge que não
liga para casamento chora na
hora da cerimônia. Sábado fizemos um particularmente interessante, no Moinho Santo Antônio.
Cheguei cedo, quando os garçons
ainda dobravam guardanapos, que é
a ocupação mais calmante do mundo. Aquela pilha de mil quadrados
de linho branco, e alguns rapazes e
moças se sentam à volta de uma mesa para dobrá-los. Há dobraduras fáceis e difíceis. Esta era difícil, pois a
decoradora queria um leque que depois se fechava com uma fitinha do
Bonfim. E o mundo pode passar na
esquina, a comida queimar, os copos
se quebrarem que nada abala o serviço de dobrar guardanapos.
As mesas são arranjadas, a cantora
se exercita, o DJ põe o som no mais
alto, a pianista quer um lanche e eu
ofereço um chá de hortelã à cantora
Fortuna. Vou ver e não tem hortelã.
O noivo é espanhol, a menina brasileira, um pai judeu (o que torna
difícil misturar as comidas). E os
espanhóis vieram em peso para a
cerimônia. Num casamento, às vezes, a discussão dos detalhes começa
mais de um ano antes. Formam-se
as hostes militares, sogra e filho de
um lado, mãe e filha do outro,
ou filho e filha contra sogro e sogra,
muitas combinações possíveis. A
primeira parte das negociações
é simplesmente diplomática e conciliatória. Gregos e troianos hão
de ficar felizes.
O lugar está lindo. As flores tropicais e poucas, clean, afinal ficar sentado em frente a uma única flor de
bananeira faz com que a cabeça pare
para pensar um pouco nas diferenças deste mundo.
Custo a chegar na comida, porque
sentem o drama, não é? A noiva, para agradar a família brasileira, trouxe uma mala vermelha, cheia de
queijos, salames, salaminhos... Uma
mala vermelha escolhida a dedo.
Mal apareceu na esteira, ela pegou
-Sophia Loren moderna trazendo a
mortadela para casa- e se encaminhou a passos rápidos para o carro.
Atrás dela, alguém também pegou
uma mala vermelha, a última, e percebeu que não era a sua. Precisou ser
aberta na alfândega e... não faço a
menor idéia do que foi feito do queijo Manchego, do presunto. Bem-feito, lei é lei, mas hummmmmmm!!!
Voltando ao casamento, havia de
ter a comida que se serve no Brasil
para os espanhóis verem. Mas e o
pai e os amigos do pai, tão apegados
à sua própria comida? E os brasileiros que queriam uma novidadezinha? Não se podia deixar ninguém
insatisfeito.
Na parte de fora, no jardim com
seus bancos, instalaram-se duas
baianas paramentadas e devidamente tombadas. Era olhar e se esbugalhar. São Jorge, Santo Antônio,
palmas, conchas, búzios, figas, folhas, pétalas de rosa, toalha de
Richelieu, tudo, sincréticas como
pedia o casamento. O acarajé, delicioso, vou deixar aqui o telefone deles para vocês (0/xx/11/9173-2213).
Os espanhóis tiravam fotos com as
baianas e experimentavam o que
nada mais era do que um bom falafel
com recheio de vatapá... Não é engraçado que o acarajé seja um falafel? E, na verdade, é. E as pequenas
entradas, próprias para aquela hora,
muito caprichadinhas, homenageando os dois mundos, arenques
sobre pão preto, trouxinhas de papoula com queijo. Tam, tam, tam...
Fim da cerimônia linda e ecumênica, fim do coquetel, abrem-se as
cortinas e outra vez era preciso juntar os dois mundos nos bufês frios.
Presunto de Parma e gazpacho, pão
preto com pastrami, gravlax de salmão, bazergan bem turco, molho romesco para acompanhar o presunto.
A música judaica levanta os noivos
no ar, animadíssima, a flamenca faz
estalar as palmas e os saltos, a brasileira requebra em sonoridades. Música e a comida trazendo paz aos homens de boa vontade.
Vou parando por aqui por causa
das laudas, mas o jantar quente
nem começou. Componham o cardápio, é um desafio, quero só ver
se levam jeito.
ninahorta@uol.com.br
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