São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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NINA HORTA

Entre gregos e troianos

A noiva, para agradar a família brasileira, trouxe uma mala cheia de queijos e salames

TODO MUNDO que finge que não liga para casamento chora na hora da cerimônia. Sábado fizemos um particularmente interessante, no Moinho Santo Antônio.
Cheguei cedo, quando os garçons ainda dobravam guardanapos, que é a ocupação mais calmante do mundo. Aquela pilha de mil quadrados de linho branco, e alguns rapazes e moças se sentam à volta de uma mesa para dobrá-los. Há dobraduras fáceis e difíceis. Esta era difícil, pois a decoradora queria um leque que depois se fechava com uma fitinha do Bonfim. E o mundo pode passar na esquina, a comida queimar, os copos se quebrarem que nada abala o serviço de dobrar guardanapos.
As mesas são arranjadas, a cantora se exercita, o DJ põe o som no mais alto, a pianista quer um lanche e eu ofereço um chá de hortelã à cantora Fortuna. Vou ver e não tem hortelã.
O noivo é espanhol, a menina brasileira, um pai judeu (o que torna difícil misturar as comidas). E os espanhóis vieram em peso para a cerimônia. Num casamento, às vezes, a discussão dos detalhes começa mais de um ano antes. Formam-se as hostes militares, sogra e filho de um lado, mãe e filha do outro, ou filho e filha contra sogro e sogra, muitas combinações possíveis. A primeira parte das negociações é simplesmente diplomática e conciliatória. Gregos e troianos hão de ficar felizes.
O lugar está lindo. As flores tropicais e poucas, clean, afinal ficar sentado em frente a uma única flor de bananeira faz com que a cabeça pare para pensar um pouco nas diferenças deste mundo.
Custo a chegar na comida, porque sentem o drama, não é? A noiva, para agradar a família brasileira, trouxe uma mala vermelha, cheia de queijos, salames, salaminhos... Uma mala vermelha escolhida a dedo. Mal apareceu na esteira, ela pegou -Sophia Loren moderna trazendo a mortadela para casa- e se encaminhou a passos rápidos para o carro. Atrás dela, alguém também pegou uma mala vermelha, a última, e percebeu que não era a sua. Precisou ser aberta na alfândega e... não faço a menor idéia do que foi feito do queijo Manchego, do presunto. Bem-feito, lei é lei, mas hummmmmmm!!!
Voltando ao casamento, havia de ter a comida que se serve no Brasil para os espanhóis verem. Mas e o pai e os amigos do pai, tão apegados à sua própria comida? E os brasileiros que queriam uma novidadezinha? Não se podia deixar ninguém insatisfeito.
Na parte de fora, no jardim com seus bancos, instalaram-se duas baianas paramentadas e devidamente tombadas. Era olhar e se esbugalhar. São Jorge, Santo Antônio, palmas, conchas, búzios, figas, folhas, pétalas de rosa, toalha de Richelieu, tudo, sincréticas como pedia o casamento. O acarajé, delicioso, vou deixar aqui o telefone deles para vocês (0/xx/11/9173-2213). Os espanhóis tiravam fotos com as baianas e experimentavam o que nada mais era do que um bom falafel com recheio de vatapá... Não é engraçado que o acarajé seja um falafel? E, na verdade, é. E as pequenas entradas, próprias para aquela hora, muito caprichadinhas, homenageando os dois mundos, arenques sobre pão preto, trouxinhas de papoula com queijo. Tam, tam, tam...
Fim da cerimônia linda e ecumênica, fim do coquetel, abrem-se as cortinas e outra vez era preciso juntar os dois mundos nos bufês frios. Presunto de Parma e gazpacho, pão preto com pastrami, gravlax de salmão, bazergan bem turco, molho romesco para acompanhar o presunto. A música judaica levanta os noivos no ar, animadíssima, a flamenca faz estalar as palmas e os saltos, a brasileira requebra em sonoridades. Música e a comida trazendo paz aos homens de boa vontade.
Vou parando por aqui por causa das laudas, mas o jantar quente nem começou. Componham o cardápio, é um desafio, quero só ver se levam jeito.


ninahorta@uol.com.br

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