São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2009

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Editor sugeriu a Tezza tomar "umas pingas"

DA REPORTAGEM LOCAL

Autor de "O Filho Eterno", romance de fortes tintas autobiográficas, que venceu cinco prêmios literários em 2008, Cristovão Tezza, 56, já foi "recusado", quem diria, por ser pouco pessoal. Tezza tinha 18 anos e acabara de apresentar à editora Brasiliense seu primeiro livro, "O Papagaio que Morreu de Câncer". A recusa, assinada pelo editor Caio Graco Prado, criticava o neófito por ter fugido "um bocado do "pessoal" para descrições enormes, na maioria das vezes inúteis".
"Quando li a carta, achei que minha vida de escritor tinha acabado. Bobagem. E ele disse umas coisas legais ali", diz Tezza, que recebeu uma curiosa sugestão de Caio Graco para dar um tom mais pessoal ao livro: "Se ajudar, umas pingas desarmam as defesas e podem contribuir". Daí para frente, afirma o escritor, vieram apenas mensagens padronizadas, ou, mais frequentemente, o silêncio.

Oito anos de recusa
O escritor Marcelo Mirisola, 42, "gaba-se" de ter "nas costas oito anos de cartas de recusa", que ele guarda numa mala. Ele afirma que seu segundo livro, "O Herói Devolvido" (sem trocadilho!), foi rejeitado por uma editora de São Paulo "por conter muito palavrão".
Para Mirisola, que diz ter recebido desculpas "esfarrapadas" como "não se encaixa em nossa linha editorial" ou "nossa agenda está cheia", muitas vezes "ficava claro que ninguém lia nada". A fim de testar as editoras, o escritor chegou a enviar originais com as folhas coladas: "Voltaram do mesmo jeito".
O escritor Santiago Nazarian, 31, que nunca recebeu uma carta de recusa, mas escreve pareceres de livros em inglês para editoras brasileiras, defende que, além de apontar os pontos positivos e negativos de um livro, tais pareceres deveriam ter mais espaço para uma "opinião mais verdadeira", na linha "achei uma merda".
"Acho que o parecer pode e deve ser mais sincero do que as cartas de recusa, não tendo medo de detonar um livro quando não gosta, ou de demonstrar seu entusiasmo quando adora. Com autores, é preciso ser um pouco mais delicado. É preciso pensar que a pessoa colocou muito do tempo, paixão e talento, mesmo quando ínfimo, lá."

O duplo sim de Hatoum
O premiado escritor Milton Hatoum também não relata recusas. Mas um curioso caso de dupla aceitação. Ele conta que havia terminado o manuscrito de "Relato de um Certo Oriente" em 1987, quando morava em Manaus. O texto ficou de molho alguns meses, até que um editor do Rio ligou para ele e perguntou se tinha algo.
"Mencionei o "Relato", enviei os originais, e um mês depois ele disse que ia publicá-lo. Em 1988, ganhei uma bolsa e vim para São Paulo. A Companhia das Letras me perguntou se eu tinha algum manuscrito e falei do "Relato". O editor do Rio já estava em outra editora, mas o texto estava no prelo. E eu nem sabia disso", diz. "Como o prazo para publicação havia expirado, troquei de editora na última hora, e o "Relato" só foi publicado em abril de 1989. Dois anos de espera e um baixo grau de ansiedade valeram a pena."


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