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Editor sugeriu a Tezza tomar "umas pingas"
DA REPORTAGEM LOCAL
Autor de "O Filho Eterno",
romance de fortes tintas autobiográficas, que venceu cinco
prêmios literários em 2008,
Cristovão Tezza, 56, já foi "recusado", quem diria, por ser
pouco pessoal. Tezza tinha 18
anos e acabara de apresentar à
editora Brasiliense seu primeiro livro, "O Papagaio que Morreu de Câncer". A recusa, assinada pelo editor Caio Graco
Prado, criticava o neófito por
ter fugido "um bocado do "pessoal" para descrições enormes,
na maioria das vezes inúteis".
"Quando li a carta, achei que
minha vida de escritor tinha
acabado. Bobagem. E ele disse
umas coisas legais ali", diz Tezza, que recebeu uma curiosa sugestão de Caio Graco para dar
um tom mais pessoal ao livro:
"Se ajudar, umas pingas desarmam as defesas e podem contribuir". Daí para frente, afirma
o escritor, vieram apenas mensagens padronizadas, ou, mais
frequentemente, o silêncio.
Oito anos de recusa
O escritor Marcelo Mirisola,
42, "gaba-se" de ter "nas costas
oito anos de cartas de recusa",
que ele guarda numa mala. Ele
afirma que seu segundo livro,
"O Herói Devolvido" (sem trocadilho!), foi rejeitado por uma
editora de São Paulo "por conter muito palavrão".
Para Mirisola, que diz ter recebido desculpas "esfarrapadas" como "não se encaixa em
nossa linha editorial" ou "nossa
agenda está cheia", muitas vezes "ficava claro que ninguém
lia nada". A fim de testar as editoras, o escritor chegou a enviar
originais com as folhas coladas:
"Voltaram do mesmo jeito".
O escritor Santiago Nazarian,
31, que nunca recebeu uma carta de recusa, mas escreve pareceres de livros em inglês para
editoras brasileiras, defende
que, além de apontar os pontos
positivos e negativos de um livro, tais pareceres deveriam ter
mais espaço para uma "opinião
mais verdadeira", na linha
"achei uma merda".
"Acho que o parecer pode e
deve ser mais sincero do que as
cartas de recusa, não tendo medo de detonar um livro quando
não gosta, ou de demonstrar
seu entusiasmo quando adora.
Com autores, é preciso ser um
pouco mais delicado. É preciso
pensar que a pessoa colocou
muito do tempo, paixão e talento, mesmo quando ínfimo, lá."
O duplo sim de Hatoum
O premiado escritor Milton
Hatoum também não relata recusas. Mas um curioso caso de
dupla aceitação. Ele conta que
havia terminado o manuscrito
de "Relato de um Certo Oriente" em 1987, quando morava
em Manaus. O texto ficou de
molho alguns meses, até que
um editor do Rio ligou para ele
e perguntou se tinha algo.
"Mencionei o "Relato", enviei
os originais, e um mês depois
ele disse que ia publicá-lo. Em
1988, ganhei uma bolsa e vim
para São Paulo. A Companhia
das Letras me perguntou se eu
tinha algum manuscrito e falei
do "Relato". O editor do Rio já
estava em outra editora, mas o
texto estava no prelo. E eu nem
sabia disso", diz. "Como o prazo
para publicação havia expirado,
troquei de editora na última
hora, e o "Relato" só foi publicado em abril de 1989. Dois anos
de espera e um baixo grau de
ansiedade valeram a pena."
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