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RODAPÉ LITERÁRIO
Convulsões visuais
"Caligramas" reúne poemas plásticos do francês Guillaume Apollinaire, que sintetizou espírito das vanguardas
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"ENFIM ESTÁS cansado desse
mundo antigo." O primeiro verso de "Zona",
do livro "Alcoóis", funciona como
uma espécie de "plano piloto" da
poesia de Guillaume Apollinaire
(1880-1918) -autor que sintetizou o
espírito das vanguardas do século
20. Nascido em Roma, o escritor
francês lançou o manifesto "A Antitradição Futurista", sistematizou os
princípios estéticos do cubismo e, de
quebra, cunhou a palavra "surrealista", posteriormente empregada por
André Breton.
Breton, aliás, escreveu ao final de
"Nadja" uma frase que também se
aplica a Apollinaire: "A beleza será
CONVULSIVA, ou não será". Mas
talvez a parte mais bela e convulsiva
da obra do poeta seja um livro que
não corresponde a nenhum dos "ismos" vanguardistas: "Caligramas",
conjunto de 84 poemas visuais,
compostos durante a Primeira
Guerra Mundial.
Parte dessa produção foi reunida
num volume organizado por Álvaro
Faleiros, que adotou uma definição
precisa para os caligramas: "poemas
plásticos". Do ponto de vista formal,
os caligramas são uma espécie de escrita imagética, na qual linhas e letras são dispostas de modo a compor
desenhos que remetem ao conteúdo
da mensagem.
A disposição oblíqua de "Chove",
por exemplo, mimetiza a queda vertical das gotas de chuva, da mesma
maneira que, num poema como "A
Gravata e o Relógio", o significado
dessas palavras é figurado plasticamente pelo arranjo dos "versos" em
blocos que formam planos e curvas.
São exemplos de alguns dos caligramas mais ingênuos do livro, em
que o sentido verbal parece estar a
serviço do desenho com letrinhas,
resultando em uma linguagem quase infantil.
Bem diferente é um poema como
"Viagem", em que a disposição tipográfica perfaz imagens nítidas (o
trem composto pela sequência "onde vai esse trem que morre ao longe
nos vales e nos bosques frescos de
um terno verão sem cor?") confrontadas com constelações de palavras
figurando um rosto que se dissipa
na noite.
Além desses caligramas tipográficos, o livro inclui poemas "convencionais", em que tais recursos são inseridos de modo a conferir ênfase a
palavras e frases (aproximando-se
de uma partitura que impõe o compasso e o acento da leitura), e caligrafias propriamente ditas, em que a
escrita cursiva adquire a singularidade de um desenho (nesses casos,
Faleiros optou por traduzir apenas o
sentido verbal, sem reproduzir o
efeito espacial).
"Caligramas", porém, deve sua
permanência não apenas à beleza visual (que podemos apreciar nos fac-símiles do livro) mas a essa estranha
poesia que extrai das imagens da
guerra a energia lírica com a qual
Apollinaire pretende sepultar o
mundo antigo.
CALIGRAMAS
Autor: Guillaume Apollinaire
Tradução: Álvaro Faleiros
Editora: Ateliê/UnB
Quanto: R$ 64 (188 págs.)
Avaliação: ótimo
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