São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Convulsões visuais

"Caligramas" reúne poemas plásticos do francês Guillaume Apollinaire, que sintetizou espírito das vanguardas

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"ENFIM ESTÁS cansado desse mundo antigo." O primeiro verso de "Zona", do livro "Alcoóis", funciona como uma espécie de "plano piloto" da poesia de Guillaume Apollinaire (1880-1918) -autor que sintetizou o espírito das vanguardas do século 20. Nascido em Roma, o escritor francês lançou o manifesto "A Antitradição Futurista", sistematizou os princípios estéticos do cubismo e, de quebra, cunhou a palavra "surrealista", posteriormente empregada por André Breton.
Breton, aliás, escreveu ao final de "Nadja" uma frase que também se aplica a Apollinaire: "A beleza será CONVULSIVA, ou não será". Mas talvez a parte mais bela e convulsiva da obra do poeta seja um livro que não corresponde a nenhum dos "ismos" vanguardistas: "Caligramas", conjunto de 84 poemas visuais, compostos durante a Primeira Guerra Mundial.
Parte dessa produção foi reunida num volume organizado por Álvaro Faleiros, que adotou uma definição precisa para os caligramas: "poemas plásticos". Do ponto de vista formal, os caligramas são uma espécie de escrita imagética, na qual linhas e letras são dispostas de modo a compor desenhos que remetem ao conteúdo da mensagem.
A disposição oblíqua de "Chove", por exemplo, mimetiza a queda vertical das gotas de chuva, da mesma maneira que, num poema como "A Gravata e o Relógio", o significado dessas palavras é figurado plasticamente pelo arranjo dos "versos" em blocos que formam planos e curvas. São exemplos de alguns dos caligramas mais ingênuos do livro, em que o sentido verbal parece estar a serviço do desenho com letrinhas, resultando em uma linguagem quase infantil.
Bem diferente é um poema como "Viagem", em que a disposição tipográfica perfaz imagens nítidas (o trem composto pela sequência "onde vai esse trem que morre ao longe nos vales e nos bosques frescos de um terno verão sem cor?") confrontadas com constelações de palavras figurando um rosto que se dissipa na noite.
Além desses caligramas tipográficos, o livro inclui poemas "convencionais", em que tais recursos são inseridos de modo a conferir ênfase a palavras e frases (aproximando-se de uma partitura que impõe o compasso e o acento da leitura), e caligrafias propriamente ditas, em que a escrita cursiva adquire a singularidade de um desenho (nesses casos, Faleiros optou por traduzir apenas o sentido verbal, sem reproduzir o efeito espacial).
"Caligramas", porém, deve sua permanência não apenas à beleza visual (que podemos apreciar nos fac-símiles do livro) mas a essa estranha poesia que extrai das imagens da guerra a energia lírica com a qual Apollinaire pretende sepultar o mundo antigo.


CALIGRAMAS

Autor: Guillaume Apollinaire
Tradução: Álvaro Faleiros
Editora: Ateliê/UnB
Quanto: R$ 64 (188 págs.)
Avaliação: ótimo



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