São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2009

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crítica

Peripécia em obra fragmentar não surpreende

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Rita no Pomar" é apresentado como o romance de estreia de Rinaldo de Fernandes. Admita-se a vocação complacente do gênero, já que o texto, despido de sua notável expansão diagramática (alguns capítulos têm só uma ou duas frases não especialmente marcantes), poderia ser melhor descrito como novela. O ajuste não traria implicações negativas a sua qualidade, mas, por algum motivo, romance parece ser gênero com maiores credenciais no mercado editorial. O livro tem estrutura híbrida e fragmentar. São intercalados ao relato principal 12 breves textos escritos pela narradora-protagonista Rita, alguns com título e dia de conclusão, outros encabeçados por datas, como anotações de agenda.
A medula da narração, no entanto, são 22 trechos curtos de discurso monologado, em que Rita encena uma insistente conversa com seu cão, Pet.
O monólogo está repleto de interjeições, perguntas, onomatopeias, anacolutos, reticências e outras figuras de hesitação e interpelação que deveriam produzir o verossímil de um papo com o cão ("Um cachorro querendo saber de política, putz!... Vai, late... Late os corruptos [sic], late!... Lambe a pata? Larga a pata... [...] E se os cachorros latissem mesmo toda vez que vissem um corrupto, hum? Au, au, auuuuuuu...").
Pelo andamento da conversa, ficamos sabendo que a moça é paulistana da Barra Funda, ex-estudante de jornalismo, revisora (nada confiável, pois já erra uma regência logo na primeira frase), leitora da Ilustrada e de outros suplementos culturais. Também aprendemos que deixou a cidade para viver numa fictícia praia de nome Pomar, na Paraíba. A razão pela qual trocou São Paulo pelo Nordeste nada tem a ver com uma deliberada inversão do fio narrativo canônico da "diáspora nordestina", como afirma Silviano Santiago no inventivo posfácio. No enredo, a mudança não segue o fluxo de um capital globalizado interessado em investir no exótico nacional, mas simplesmente busca um paradeiro o mais longínquo possível para uma fuga: um plot bastante canônico, é verdade, mas sem nenhuma implicação econômica relevante.
Mais não se pode revelar dessa razão, pois fazê-lo seria liquidar o livro. Primeiro, porque Rita só vai confessá-la ao fim, após o olvidável tatibitate com o pobre Pet, obrigado a ouvir a dona imitar seus latidos e ralhar com seus "assopros". Depois, porque o livro todo é construído para obter exatamente um efeito de inversão ao final.
Trata-se, em suma, de empurrar a narrativa, em si mesma tergiversada e derivativa, para uma peripécia que faz de quem parecia vítima criminoso. Nenhuma novidade, a não ser a surpreendente ideia de que se possa obter peripécia sem a existência de uma narrativa consistente que crie no leitor expectativas de um desfecho.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.


RITA NO POMAR

Autor: Rinaldo de Fernandes
Editora: 7letras
Quanto: R$ 29 (104 págs.)
Avaliação: ruim



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