|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
crítica
Peripécia em obra fragmentar não surpreende
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Rita no Pomar" é
apresentado como o romance de
estreia de Rinaldo de Fernandes. Admita-se a vocação
complacente do gênero, já
que o texto, despido de sua
notável expansão diagramática (alguns capítulos têm só
uma ou duas frases não especialmente marcantes), poderia ser melhor descrito como
novela. O ajuste não traria
implicações negativas a sua
qualidade, mas, por algum
motivo, romance parece ser
gênero com maiores credenciais no mercado editorial.
O livro tem estrutura híbrida e fragmentar. São intercalados ao relato principal 12 breves textos escritos
pela narradora-protagonista
Rita, alguns com título e dia
de conclusão, outros encabeçados por datas, como anotações de agenda.
A medula da
narração, no entanto, são 22
trechos curtos de discurso
monologado, em que Rita
encena uma insistente conversa com seu cão, Pet.
O monólogo está repleto
de interjeições, perguntas,
onomatopeias, anacolutos,
reticências e outras figuras
de hesitação e interpelação
que deveriam produzir o verossímil de um papo com o
cão ("Um cachorro querendo
saber de política, putz!... Vai,
late... Late os corruptos [sic],
late!... Lambe a pata? Larga a
pata... [...] E se os cachorros
latissem mesmo toda vez que
vissem um corrupto, hum?
Au, au, auuuuuuu...").
Pelo andamento da conversa, ficamos sabendo que a
moça é paulistana da Barra
Funda, ex-estudante de jornalismo, revisora (nada confiável, pois já erra uma regência logo na primeira frase), leitora da Ilustrada e de
outros suplementos culturais. Também aprendemos
que deixou a cidade para viver numa fictícia praia de
nome Pomar, na Paraíba.
A razão pela qual trocou
São Paulo pelo Nordeste nada tem a ver com uma deliberada inversão do fio narrativo canônico da "diáspora
nordestina", como afirma
Silviano Santiago no inventivo posfácio. No enredo, a
mudança não segue o fluxo
de um capital globalizado interessado em investir no
exótico nacional, mas simplesmente busca um paradeiro o mais longínquo possível para uma fuga: um plot
bastante canônico, é verdade, mas sem nenhuma implicação econômica relevante.
Mais não se pode revelar
dessa razão, pois fazê-lo seria liquidar o livro. Primeiro,
porque Rita só vai confessá-la ao fim, após o olvidável tatibitate com o pobre Pet,
obrigado a ouvir a dona imitar seus latidos e ralhar com
seus "assopros". Depois, porque o livro todo é construído
para obter exatamente um
efeito de inversão ao final.
Trata-se, em suma, de empurrar a narrativa, em si
mesma tergiversada e derivativa, para uma peripécia
que faz de quem parecia vítima criminoso. Nenhuma novidade, a não ser a surpreendente ideia de que se possa
obter peripécia sem a existência de uma narrativa consistente que crie no leitor expectativas de um desfecho.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.
RITA NO POMAR
Autor: Rinaldo de Fernandes
Editora: 7letras
Quanto: R$ 29 (104 págs.)
Avaliação: ruim
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Réplica: Comentários de Marcelo Coelho fazem pensar que, se ele leu todo o livro, leu mal Índice
|