São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2009

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Réplica

Comentários de Marcelo Coelho fazem pensar que, se ele leu todo o livro, leu mal

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estava eu fora do país quando a Folha publicou uma resenha de Marcelo Coelho a propósito de "O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica" (Rocco). Tal texto pode ser dividido em duas partes: na primeira faz uma paráfrase de informações que estão no meu livro, sem citar a fonte; na segunda pretende emitir comentários críticos sobre a obra.
E aqui o problema maior. Ou ele não leu todo o livro, ou, o que leu, leu mal. 1. Acusa-me de "impaciência" diante dos autores analisados. E me pergunto: "Impaciência"? Estou estudando essa questão há décadas, três livros meus anteriores prepararam-me para este, fiz não sei quantas viagens a museus e bibliotecas, testei minhas análises em inúmeros cursos e conferências, submeti o texto a vários leitores especializados dentro e fora do Brasil. Portanto, se há alguém "impaciente", não sou eu.
2. A seguir, diz, sem demonstrar, que expulsei "o ator de cena para tomar a palavra". Ao contrário. Usando instrumentos da filosofia, retórica e linguística, enfrento o problema da linguagem e a linguagem do problema, desfaço a "estratégia da indecisão" e o "double bind" linguístico e ideológico por meio do desmonte intertextual das falácias de Duchamp, Paz, Barthes, Derrida, Jean Clair e outros.
3. Estranha ainda é a observação de que eu deveria ter "bom-humor e ironia neste livro". Aí, fiquei sem saber se ria ou se chorava. Releia o ensaio "Na Sapataria de Jacques Derrida". Aí, entro na linguagem do filósofo sofista, jogo o jogo que ele joga, parodisticamente, desconstruo a desconstrução do criador do desconstrucionismo apontando seus equívocos na polêmica com Heidegger, Meyer Schapiro e F. Jameson. E, se você não achar humor e ironia nas alucinações críticas de Barthes sobre Cy Twombly, que remeto gostosamente para "O Homem que Confundiu a Mulher com o Chapéu", de Oliver Sacks, aí, meu caro, o mal-humorado não sou eu.
4. A coisa se agrava. Marcelo se entusiasma e, uma vez mais sem dar exemplos, acusa-me de "amadorismo", de "falta de ruminação acadêmica", e de fazer "citações de segunda mão". Exclamo: "Jesus Christ!". Estou trazendo uma bibliografia transdisciplinar nunca operacionalizada para estudar a questão da arte contemporânea; estou revendo a teoria do caos, a questão da entropia e certos conceitos de física quântica em função da arte; estou trazendo a neurociência para tratar epistemologicamente da agnosia visual e mental; estou mostrando detalhadamente como pensadores notáveis cometem notáveis equívocos; estou operacionalizando o "paradoxo do mentiroso" e a "argumentação em declive" para desarmar as armadilhas duchampianas; esmiúço as homonímias, paranomásias e anfibologias em Derrida, Barthes ou Duchamp; enfim, estou mostrando que o rei não só está nu, mas está vestido pela linguagem alheia, que é preciso ultrapassar os oxímoros paralisantes que coagularam a arte e a filosofia, e o comentarista da Folha não percebeu nada disso.
De resto, Marcelo diz que há uns erros de revisão. Sempre os há, qualquer autor sabe disso. Se quiser anotá-los, eu os passarei à editora. Mas preferia discutir ideias.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA é escritor e crítico, autor de "O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica" (Rocco).


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