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CINEMA
Sucesso do filme de Mel Gibson, que já arrecadou mais de US$ 260 milhões nos EUA, reverbera entre executivos
Hollywood busca a fórmula da "Paixão"
SHARON WAXMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
Enquanto o sucesso avassalador
de "A Paixão de Cristo" reverbera
por Hollywood, produtores e executivos de estúdio começam a se
indagar se o cinema não tem deixado de lado grandes segmentos
do público americano que estão
ansiosos por mais produtos de
natureza declaradamente religiosa. No fim de semana passado, o
filme arrecadou mais US$ 31,6
milhões (cerca de R$ 95 milhões),
aumentando sua bilheteria total
para US$ 264 milhões (R$ 790 milhões) em menos de três semanas.
Diferentemente de muitos filmes de sucesso comercial imediato, "A Paixão" não viu sua bilheteria cair vertiginosamente após
uma estréia grandiosa. A expectativa é que acabe por acumular
bem mais de US$ 300 milhões de
bilheteria nos EUA, superando facilmente trabalhos de grande orçamento como "Hulk" ou qualquer dos filmes da série "Matrix".
"É impossível ignorar números
como esses", diz o veterano produtor de cinema Mark Johnson.
"Não dá para dizer que é apenas
um acaso feliz. Existe algo nisso
que merece ser compreendido."
O sucesso de bilheteria de "A
Paixão de Cristo" vem sendo analisado em toda Hollywood, com
conclusões sendo repetidas em
entrevistas com diversos executivos na semana passada. Nos departamentos de marketing, o filme é considerado um caso de genialidade pura. Seu diretor, Mel
Gibson, é visto como alguém que
incentivou uma controvérsia que
arrancou o filme da periferia para
o centro do cenário cultural,
criando a impressão de que ele é
imperdível, obrigatório.
Poucos nos estúdios duvidam
que o filme vá afetar as decisões
tomadas em Hollywood a curto e
a longo prazo. Alguns já prevêem
a chegada de uma onda de filmes
baseados em temas do Novo Testamento ou de filmes mais religiosos, de modo geral. "Haverá novos filmes sobre as Sagradas Escrituras -o Velho e o Novo Testamentos?", perguntou Peter Guber, produtor que, no passado, dirigiu a Sony Pictures Entertainment. "É provável que sim."
O mundo da televisão já está
reagindo à "Paixão". Na semana
passada, a rede ABC pôs no ar o
filme "Judas", engavetado havia
muito tempo, sobre o discípulo
que traiu Jesus. Na guerra de audiência, "Judas" perdeu para
"Everybody Loves Raymond" e
"C.S.I.: Miami".
Nas semanas que antecederam
o lançamento de "A Paixão", enquanto crescia a publicidade em
torno do filme, a NBC encomendou um piloto de um programa
apocalíptico intitulado "Revelations", baseado em parte no Livro
das Revelações (Livro do Apocalipse). Um de seus produtores,
Gavin Polone, o descreveu como
algo na linha de "Arquivo X", mas
tendo como protagonistas uma
freira e um cientista cético que começa a acreditar na Bíblia quando
vê os eventos do armagedon começando a acontecer.
Polone contou que, para vender
a idéia às TVs, citou pesquisas de
opinião segundo as quais 78% dos
americanos disseram acreditar
que as previsões do Livro das Revelações vão se realizar e 39%
acham que elas vão se realizar ainda durante suas vidas. ""A Paixão
de Cristo" ajudou", disse Polone.
Segundo Peter Guber, o sucesso
do filme se choca com os sentimentos de muitos em Hollywood
que não gostam da maneira, largamente criticada, como "A Paixão de Cristo" retrata a responsabilidade dos judeus pela morte de
Jesus. "As reações são de incômodo, espanto e repúdio, às vezes tudo ao mesmo tempo", disse.
Mas Jeff Robinov, presidente de
produção da Warner que afirma
ter gostado do filme, disse não estar certo de que precisa atingir
uma platéia voltada à religião. "O
sucesso de "A Paixão" não me encoraja a procurar um filme que
satisfaça esse grupo. Mas, se um
sujeito como Mel Gibson chegasse com um filme que tivesse mensagem sociológica, teológica, uma
mensagem religiosa, que fosse
controversa, eu não fugiria dele."
Uma pesquisa Gallup feita na
semana passada concluiu que
11% dos americanos já assistiram
ao filme, e que 34% disseram pretender vê-lo nos cinemas. Baseada numa amostragem de 1.005
adultos, a pesquisa constatou que
os mais velhos têm menos chances de assistir ao filme, e que as
pessoas que vão à igreja pelo menos uma vez por mês têm probabilidade maior de vê-lo.
Muitos executivos acham que
não será fácil reproduzir o sucesso de "A Paixão". O filme não é
um simples retrato da crucificação, afirmam, mas uma declaração político-religiosa movida pela
intensidade do catolicismo conservador de Mel Gibson. Foi divulgado a ponto de virar fenômeno em função dos protestos de
grupos judaicos e também da relutância de Gibson em discutir o
filme com seus críticos.
"Quando um filme rende tanto
dinheiro quanto "A Paixão", não
se pode negar que o público passou uma mensagem à comunidade cinematográfica -mas é uma
mensagem assustadora", disse
Michael Nozik, produtor do ainda inédito "Diários de Motocicleta", sobre Che Guevara. Nozik está alarmado com a violência presente em "A Paixão de Cristo",
afirma, e entristecido diante do
"caldeirão de ira" esquentado pelas acusações de anti-semitismo.
Na condição de divisões de
grandes conglomerados de mídia
preocupados com sua imagem
pública, os estúdios de Hollywood sempre evitaram propagar
valores senão os mais benignos.
Filmes que defendem fortes pontos de vista políticos e, especialmente, religiosos têm tido dificuldade em ganhar luz verde. "Não
está claro que Hollywood tenha o
apetite ou a atitude para fazer filmes religiosos", disse Guber. O
filme de Mel Gibson, afirmou, "a
meu ver, possui um ponto de vista
politicamente religioso".
Tradução de Clara Allain
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