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JOÃO PEREIRA COUTINHO
O diabo veste Armani
Tudo começou com uma campanha de grife em que cinco homens exercem violência sobre uma mulher
ACONTECEU NA Espanha: o país
que se apresenta ao mundo
como exemplo de progressismo sexual e moral (vocês podem
mudar de sexo no registro civil sem
passar por cirurgia respectiva) anda
vendo corrupção sexual e moral em
toda a parte.
Tudo começou com uma campanha publicitária da grife Dolce &
Gabbana em que, alegadamente,
cinco homens exercem violência sexual sobre uma mulher indefesa.
Melhor: um exerce, os outros quatro
assistem. A Anistia Internacional e
organizações ligadas à defesa da mulher não gostaram do abuso, e a Dolce & Gabbana recuou. Eu vi o cartaz
e, tirando a estupidez natural de
qualquer campanha publicitária,
confesso que "violência sexual" era a
última coisa que me passaria pela
cabeça. Os cinco rapazes tinham um
ar tão completamente gay que só
por piada o cidadão incauto acreditaria em um estupro coletivo. Uma
festa entre amigos, talvez; violação
em grupo, dificilmente.
Mas a loucura continuou nos dias
seguintes e novamente com o mundo da moda no cartaz. Desta vez, a
Armani Junior levou o juiz de menores da comunidade de Madri, Arturo Canalda, a denunciar o arranjo
por "incitar o turismo sexual". Na
imagem, temos duas meninas de
origem asiática, uma de jeans e camisa branca, a outra com calções e
top. Eu não sei por onde tem andado
o juiz de menores da comunidade de
Madri. No meu mundo, duas crianças de oito anos continuam a ser
duas crianças de oito anos. Mas também acrescento que não posso falar
do meu mundo. Eu só posso falar do
mundo do fundamentalista dos costumes, que acredita que a corrupção
está em toda a parte.
Em 1997, Bruce Bawer procurou
entender esse mundo com um livro
notável ("Stealing Jesus: How Fundamentalism Betrays Christianity"), viajando ao coração do radicalismo religioso norte-americano.
O livro de Bawer é interessante
não apenas pelas interpretações do
autor mas sobretudo pelas palavras
dos próprios fundamentalistas, que
dão ao relato um colorido arrepiante. Um deles, em declaração pungente, confessa desde logo que o
fundamentalista é aquele que abandona toda a ambigüidade da vida
moral, as zonas cinzentas, a complexidade inevitável dos valores, optando antes pela simplicidade da luz
ou das trevas.
E, em definição primorosa, acrescenta: o fundamentalista não é apenas aquele que vê Deus em toda a
parte. Um fundamentalista também
vê o demônio em toda a parte. E
ele sabe que, em uma luta sem tréguas entre o bem e o mal, o demônio
pode estar onde menos se espera.
Dentro de casa. Fora de casa. Atrás
de um arbusto. Na televisão, no cinema, na literatura. Em um cartaz
de publicidade.
Na Espanha, o diabo vestiu Dolce
& Gabbana. E quando o diabo foi
apanhado e exorcizado na fogueira
fundamentalista, o diabo encarnou
em duas meninas de oito anos. Felizmente para os espanhóis, Arturo
Canalda, juiz de menores de Madri,
estava atento ao inimigo e expulsou
o bicho da cidade. Até prova em contrário, o diabo só voltará a atacar na
próxima coleção outono/inverno.
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