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"Paulo Emílio fazia tudo diferente"
Em debate, Schwarz, Candido e Lygia Fagundes Telles exaltam crítica à paulistanidade e heterodoxia do autor
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não houve espaço para discórdia, dúvida ou enfrentamento. As mais de 150 pessoas
que abarrotaram o auditório da
sala Cinemateca, em São Paulo,
na noite de anteontem, dali saíram com as seguintes lições
aparentemente absorvidas:
Paulo Emílio Sales Gomes
(1916-1977) deixou um legado
muito mais rico do que se imaginava, e sua obra como ficcionista é comparável com a de
outros grandes, como Machado
de Assis, sem que isso, por
sua vez, diminua a importân-
cia de seu trabalho ensaístico
com relação ao cinema e à cultura nacional.
Exagero? Pode parecer, mas,
depois de quase duas horas ouvindo os grandes nomes da crítica literária do Brasil, Roberto
Schwarz e Antonio Candido, e a
escritora e viúva do autor,
Lygia Fagundes Telles, derramando loas a Paulo Emílio,
qualquer questionamento soaria inviável ou esnobe.
Durante todo o debate, im-
perou um silêncio reverente.
Tanto que, no momento em
que o mediador, o secretário
municipal da Cultura de São
Paulo, Carlos Augusto Calil,
abriu o microfone para per-
guntas da platéia, ninguém
se manifestou.
Preferiu-se manter os olhos
fixos nos convidados. Ainda,
Candido falara baixo, para um
microfone desligado, e não havia quem se atrevesse a dar-lhe
"um toque", correndo o risco de
interromper a série de anedotas e curiosidades que, num
momento iluminado de naturalidade e desenvoltura, o crítico recordava sobre o amigo.
"O mais fascinante que eu já tive", afirmou.
O objetivo do encontro era
relançar o romance "Três Mulheres de Três PPPês" e anunciar a série de reedições da obra
de Paulo Emílio Sales Gomes
que a editora Cosacnaify está
colocando no mercado.
Crítica à paulistanidade
Primeiro, falou Schwarz. O
autor de "Ao Vencedor as
Batatas" leu um texto de sua
autoria, exaltando a crítica
à paulistanidade, desenvolvida
por Paulo Emílio no romance
em questão, e elogiando o modo original e cômico como o escritor explorou o uso da primeira pessoa.
Na seqüência, Lygia Fagundes Telles contou passagens de
sua vida conjugal com Paulo
Emílio, em especial as que se
referem aos bastidores do livro.
A escritora fez, ainda, o público
dar risada ao relatar o episódio
em que conheceu Paulo Emílio,
assim que ingressou na faculdade de direito da USP e o escutou fazendo um discurso inflamado em uma manifestação.
"Minha mãe então me disse:
"Minha filha, você já escolheu
uma faculdade só de homens,
uma profissão só de homens e,
agora, anda assistindo a conferência de comunista? Assim
não vai casar nunca!"."
Antonio Candido preferiu
ressaltar o personagem político
mais que o ficcionista. Em ambos, entretanto, disse ver a heterodoxia como característica
mais importante.
Para o crítico, a militância e
reflexão de Paulo Emílio criaram, no Brasil, a possibilidade
de realização de agrupamentos
de esquerda fora do padrão internacional. "Ele ajudou a definir uma linha de socialismo que
não tinha a ver nem com Stálin
nem com Trótski, que para ele
formularam soluções russas",
afirmou Candido.
"Aquilo foi fundamental para
o pensamento daquela época."
Em poucas palavras, então, o
crítico encerrou a noite: "Paulo
Emílio fazia tudo diferente".
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