São Paulo, quarta-feira, 21 de março de 2007

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"Paulo Emílio fazia tudo diferente"

Em debate, Schwarz, Candido e Lygia Fagundes Telles exaltam crítica à paulistanidade e heterodoxia do autor

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não houve espaço para discórdia, dúvida ou enfrentamento. As mais de 150 pessoas que abarrotaram o auditório da sala Cinemateca, em São Paulo, na noite de anteontem, dali saíram com as seguintes lições aparentemente absorvidas: Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977) deixou um legado muito mais rico do que se imaginava, e sua obra como ficcionista é comparável com a de outros grandes, como Machado de Assis, sem que isso, por sua vez, diminua a importân- cia de seu trabalho ensaístico com relação ao cinema e à cultura nacional.
Exagero? Pode parecer, mas, depois de quase duas horas ouvindo os grandes nomes da crítica literária do Brasil, Roberto Schwarz e Antonio Candido, e a escritora e viúva do autor, Lygia Fagundes Telles, derramando loas a Paulo Emílio, qualquer questionamento soaria inviável ou esnobe.
Durante todo o debate, im- perou um silêncio reverente. Tanto que, no momento em que o mediador, o secretário municipal da Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil, abriu o microfone para per- guntas da platéia, ninguém se manifestou.
Preferiu-se manter os olhos fixos nos convidados. Ainda, Candido falara baixo, para um microfone desligado, e não havia quem se atrevesse a dar-lhe "um toque", correndo o risco de interromper a série de anedotas e curiosidades que, num momento iluminado de naturalidade e desenvoltura, o crítico recordava sobre o amigo. "O mais fascinante que eu já tive", afirmou.
O objetivo do encontro era relançar o romance "Três Mulheres de Três PPPês" e anunciar a série de reedições da obra de Paulo Emílio Sales Gomes que a editora Cosacnaify está colocando no mercado.

Crítica à paulistanidade
Primeiro, falou Schwarz. O autor de "Ao Vencedor as Batatas" leu um texto de sua autoria, exaltando a crítica à paulistanidade, desenvolvida por Paulo Emílio no romance em questão, e elogiando o modo original e cômico como o escritor explorou o uso da primeira pessoa.
Na seqüência, Lygia Fagundes Telles contou passagens de sua vida conjugal com Paulo Emílio, em especial as que se referem aos bastidores do livro. A escritora fez, ainda, o público dar risada ao relatar o episódio em que conheceu Paulo Emílio, assim que ingressou na faculdade de direito da USP e o escutou fazendo um discurso inflamado em uma manifestação.
"Minha mãe então me disse: "Minha filha, você já escolheu uma faculdade só de homens, uma profissão só de homens e, agora, anda assistindo a conferência de comunista? Assim não vai casar nunca!"."
Antonio Candido preferiu ressaltar o personagem político mais que o ficcionista. Em ambos, entretanto, disse ver a heterodoxia como característica mais importante.
Para o crítico, a militância e reflexão de Paulo Emílio criaram, no Brasil, a possibilidade de realização de agrupamentos de esquerda fora do padrão internacional. "Ele ajudou a definir uma linha de socialismo que não tinha a ver nem com Stálin nem com Trótski, que para ele formularam soluções russas", afirmou Candido.
"Aquilo foi fundamental para o pensamento daquela época." Em poucas palavras, então, o crítico encerrou a noite: "Paulo Emílio fazia tudo diferente".


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