São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Marisa Cadouro/Folha Imagem


Lúcia, 51

A atriz Lúcia Veríssimo, "mais gorda, relaxada", está em SP para a temporada da peça "Usufruto" e diz que, agora, mais velha, entende que "você é porra nenhuma. E é tudo"

Há cinco anos longe da televisão e dos palcos, Lúcia Veríssimo, 51, está de mudança do Rio para São Paulo, onde volta à cena com "Usufruto", de sua autoria. Na semana passada, antes de subir ao palco do teatro Faap, ela recebeu a coluna em seu camarim.

 

FOLHA - É difícil ficar longe da TV?
LÚCIA VERÍSSIMO
- Sinto saudades até hoje. Até 1998, eu fazia uma novela atrás da outra. Entrei na TV Globo com 19 anos. Já tinha passado mais tempo na Globo do que na minha casa. Eu defendia a Globo como se fosse uma extensão de mim mesma.

FOLHA - E por que parou?
LÚCIA
- Acho que deixei de ser interessante, passei a não ter mais convites. Eu falava muito de como era bom antigamente, reclamava. As pessoas me falam: "Você tem que voltar!", como se eu fosse a culpada. Não fui eu que decidi. Foi a nova TV.

FOLHA - E o que é a nova TV?
LÚCIA
- Se um dia você descobrir, me conte. Sou de um tempo em que as novelas tinham um diretor e 24 capítulos de frente [gravados antecipadamente]. Hoje, são seis diretores e um capítulo de frente. Aí me explicaram: antigamente, eram 30 cenas. E hoje são 115. Mas 115 cenas de quê mesmo? A gente tinha 32 páginas de texto, de discussão, de cenas incríveis, você ficava extasiada. Cenas que duravam um bloco inteiro, como a de Joana Fomm e Sonia Braga na pancadaria em "Dancin" Days" [novela de 1978]. Hoje, uma briga daquela se faz em quatro frases.

FOLHA - Pensa em voltar?
LÚCIA
- Penso, é claro. Mas agora, não. Não toparia fazer um papel de escada só para estar na televisão. Sempre fui uma atriz que fez carreira em cima da TV -apesar de ter começado no teatro, como todo mundo. Quer dizer, como deveria ser.

FOLHA - Aos 51 anos, ainda se preocupa muito com a forma física?
LÚCIA
- Não tenho mais essa preocupação. Tenho duas "Playboys" [ensaios fotográficos em que aparece nua], já fui considerada a mulher mais linda do Brasil e foda-se se eu não for mais. Tô mais gorda, relaxei, já fiquei doente.

FOLHA - Mas posaria nua de novo.
LÚCIA
- Claro que sim. Estou mais despencada, vai ser horrível, mas não tenho problema. Vou à praia de nudismo, meu peito ainda está inteiraço. Ele cresceu porque eu engordei, mas é exatamente como era: duro, lindo, é a coisa linda do meu corpo. Não tenho aquela bunda que eu tinha quando posei para a "Playboy" [nos anos 80], aquela perna, não tenho aquele braço. Mas tenho muitas outras coisas. E não tenho mais certeza de absolutamente nada. Isso a velhice me deu. Passei a entender que você é porra nenhuma. E é tudo.

FOLHA - Quando você começou a escrever?
LÚCIA
- Em 1997, comecei a fazer um livro [autobiográfico]. Aí começou a me ligar tanta gente preocupada [risos], que eu falei: "Pode deixar que só vou dar autorização para publicar quando eu morrer". "Usufruto" eu escrevi em uma semana, enquanto esperava as trocas de luz nas gravações da novela "América", em 2005.

FOLHA - A personagem da peça já se relacionou com homem e mulher junto. E você?
LÚCIA
- Tive casamentos abertos, outros não tão abertos e outros totalmente fechados.

FOLHA - Você foi casada com a Gal Costa, né?
LÚCIA
- [Risos] Pega o histórico. Os jornais podem te dizer tudo sobre a minha vida. Não escondo nada de ninguém, mas não falo sobre isso. Não existe homossexualismo, heterossexualismo, bissexualismo, tudo isso é nomenclatura inventada por Freud. Pra mim, existe uma pessoa sexual. Só isso. Você tem que fazer o que está a fim, na hora em que quiser.

FOLHA - Sua personagem na peça acredita que só existe um grande amor na vida. E você?
LÚCIA
- Piamente. A gente tem um grande amor só uma vez e o deixa guardado como um fantasma. Os grandes amores não são para serem vividos, são só para sabermos que existem. Já acho difícil você encontrar um. Se conseguir mais, aí é porque você foi muito f., sofreu muito em outra vida e agora ganhou algo em dose dupla.

FOLHA - E a relação fraternal?
LÚCIA
- Acho que esse processo é lá pros 80, 90 anos. Acho difícil que eu abandone completamente o meu corpo. Na minha história de vida, o sexo é uma ligação com o cosmo. O momento de prazer transcende qualquer outro experimento que você tenha aqui nesse planeta. Mas sei que muita gente abdica disso. Hoje em dia, me parece que essa geração mais nova faz muito menos sexo do que a minha geração fazia. A nova geração consome uma droga horrorosa, não faz sexo e tem um discurso ridículo.

FOLHA - É por isso que você os chama de caretas?
LÚCIA
- Hoje, uma menina vai de vestido curto na faculdade e quase apanha. Eu comecei a fazer topless em 1970. Hoje em dia, você é linchado. Eu achava que ia chegar aos 51 anos com tudo diferente, todo mundo em praia de nudismo.

FOLHA - E você?
LÚCIA
- Só tomo banho nua. No barco, faço topless. Na praia da Reserva, também. Uma vez, um policial quis me prender. Falei: "Tenho duas "Playboys", é atentado ao pudor eu ficar com o peito de fora?" A gente namorava sem saber o nome. Você entrava numa festa, achava aquilo interessante e ia para o banheiro ou pro quarto que estivesse vazio.

FOLHA - E você acabou se casando quantas vezes?
LÚCIA
- De morar junto? Umas nove... Eu não caso mais com essa facilidade porque hoje eu estou mais chata, cheia de manias. Isso não quer dizer que eu não namore, que eu não durma todo dia junto. Mas, quando vão pra minha casa, mantenho sempre um quarto e um banheiro separado. No meu banheiro, [a pessoa] não entra em hipótese alguma.

FOLHA - Experimentou todas as drogas?
LÚCIA
- Experimentei. Mas gosto muito de ter a minha consciência. Gosto de estar alerta.

FOLHA - Você teve um problema de saúde há alguns anos.
LÚCIA
- Tive um câncer e precisei tirar o útero, apesar de ser superpreocupada com a saúde.

FOLHA - Por que agradece ao governador Aécio Neves (MG) na peça?
LÚCIA
- Somos amigos, fui muito próxima do Tancredo [Neves] nas Diretas-Já. O Aécio abriu as portas da Cemig, pra mim [a empresa patrocina a peça da atriz]. Eu sou fundamentalmente uma tucana. Na verdade, torço para o anarquismo, mas é impossível, com a ignorância, você ter anarquismo. Então prefiro esse socialismo de centro que o PSDB defende.

FOLHA - Você vai se mudar do Rio pra São Paulo. Por quê?
LÚCIA
- Estou muito triste com o que acontece com o Rio e vejo pouca chance de a situação melhorar. São Paulo é incrível. É a única cidade da América do Sul que está em 2010. O Rio parou no tempo e no espaço, está em 1950, 1960. O Nordeste tá em 1930. O Sul, em 1940. Montevidéu tá onde, meu Deus do céu? E Buenos Aires?

FOLHA - Qual a solução para o Rio?
LÚCIA
- Tinha que voltar o jogo, reabrir o Cassino da Urca. A violência melhoraria. Você empregaria todo mundo. E os bicheiros se encarregariam de cuidar da segurança.

"A gente tem um grande amor só uma vez e o deixa guardado como um fantasma. Os grandes amores não são para serem vividos, são só para sabermos que existem"
LÚCIA VERÍSSIMO
atriz

"A nova geração consome uma droga horrorosa, não faz sexo e tem um discurso ridículo"
IDEM


Reportagem
LÍGIA MESQUITA



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