São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Lei é omissa sobre atuação de menor em TV e cinema

Constituição proíbe trabalho a menores de 16 anos e não prevê exceção para artes

Em meio ao vácuo legal, menina de "Viver a Vida" tem de ficar boazinha ou Globo será acionada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio

Fotos: Reprodução


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Pirralha, pestinha", ouviu Rafaela de uma prima de sua mãe, logo depois que a menina atirou em seu colo, de propósito, um pote de sorvete.
Rafaela é interpretada por Klara Castanho, 9, na novela da Globo, "Viver a Vida". Cenas como a descrita acima, exibida na última terça, nas quais a garota apronta e fuzila desafetos com um olhar assustador, levaram Rafaela a ser chamada na internet de Chucky, o clássico boneco assassino do cinema.
Mas ela terá de ficar boazinha logo ou o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio pode solicitar até que a atriz deixe a trama. Segundo a Globo, a questão foi tratada em audiência entre seus advogados e o órgão e "foi fixado um prazo para a discussão na emissora".
A procuradora Maria Vitória Sussekind Rocha, responsável pelo caso, afirmou à Folha haver risco de "o papel trazer prejuízos psicológicos à atriz, que pode não ter discernimento total entre ficção e realidade".
Antes de discutir se as maldades de Rafaela podem ou não fazer mal a Klara, porém, a polêmica em torno de "Viver a Vida" coloca lenha em debate já acirrado no país: se a lei proíbe menores de 16 anos de trabalhar, por que crianças podem atuar na TV e no cinema?
A procuradora diz ser "uma questão difícil". "O trabalho artístico não é contínuo, crianças não costumam gravar todo dia. Vemos como exceção."
Comissão de procuradores formada em 2007 definiu regras para o trabalho artístico infantil. Entre elas estão a necessidade de alvará judicial, respeito à vida escolar e abertura de poupança em nome da criança para depositar parte do lucro. Mas há normas subjetivas, como veto a trabalhos "prejudiciais à moralidade".
Não é a mesma interpretação a de Renato Mendes, coordenador no Brasil do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT (Organização Internacional do Trabalho). "O que temos em convenção sobre o tema na OIT, da qual o Brasil é signatário, é exceção a "participação em manifestações artísticas". É diferente de trabalho. No caso da atriz da novela da Globo, como no de outros, há salário, frequência determinada pelo empregador e relação de subordinação com o diretor", afirma.
Na opinião de Mendes, que vê "um grande avanço do país na erradicação do trabalho infantil", uma criança só deveria ser convocada para a TV ou cinema em último caso. "Autores são criativos o suficiente para criar situações que não exijam crianças. Por que temos o direito de nos divertir às custas de roubar a infância de alguém? Quem é a favor da participação dessa atriz na novela deve-se perguntar: "Eu colocaria meu filho nesse papel?'", provoca.
Para a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), a presença infantil na TV é positiva. O órgão defende que elas estejam inclusive nos bastidores, ajudando a produzir programas, para que sejam melhor representadas na mídia.
"É claro que isso precisa de acompanhamento, para que crianças não sejam envolvidas em uma trama cuja complexidade não sejam capazes de assimilar. Pais, TVs e poder público devem analisar em que contexto irá trabalhar", defende Veet Vivarta, secretário-executivo da Andi, para quem o trabalho infantil tem de ser regulamentado no país.
Há atualmente dois projetos de lei em torno do tema, um da Câmara dos Deputados e outro do Senado. Ambos, de 2009, defendem que a atuação artística de menores de 16 anos seja exceção à proibição ao trabalho infantil. Colunista da Folha, a psicóloga Rosely Sayão põe mais interrogações na discussão. "O que difere esse trabalho de outros? Fazer novela é lúdico e catar pedra não? Ou a gente acha que atuar na TV não é trabalho ou estamos valorizando demais a atividade."


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