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CRÍTICA
Elipses fortalecem drama familiar
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não é de estranhar que a
principal figura de linguagem de "Ninguém Pode Saber"
seja a elipse. Com efeito, tudo neste filme do japonês Hirozaku Kore-eda gira em torno da supressão
e da ausência.
Logo no início temos uma mãe
que se instala em um apartamento com seus quatro filhos. O diretor nos informa algumas coisas (e
deixa de informar outras) como:
as pessoas não gostam de alugar
apartamento para quem tem
criança pequena; todos devem
portanto fazer muito silêncio e viver clandestinamente, com exceção de Akira (Yuya Yagira), o filho mais velho.
O que há de verdadeiro nessas
informações não se sabe, pois a
mãe logo desaparece para viver
com um homem em outra cidade
(ou seja: talvez os vizinhos não
desgostem das crianças, mas o
amante é quase certo que sim).
O fato em si é brutal, e até se pode imaginar o tipo de patuscada
que Jayme Monjardim, por exemplo, produziria a partir dele. Mas
Hirozaku Kore-eda prefere, a partir de então, enfatizar seja o notável estoicismo de Akira, seja o
sentido de disciplina das crianças,
numa situação que tende ao caos.
O confinamento define a existência das crianças: não sair nunca, não se mostrar. Nada. Tudo isso, associado aos sumiços periódicos da mãe (antes de partir) se
soma para tornar mais confortável seu desaparecimento final
(quanto menor a mobilidade dos
filhos, maior sua possibilidade de
ir para qualquer lugar sem ser detectada).
Akira será constrangido, após o
sumiço da mãe, a viver uma espécie de dupla existência, de criança
(que é) e de adulto, responsável
pelos irmãos. O ponto forte do filme é, nesse sentido, a capacidade
de evitar o sentimentalismo. É como se "Ninguém Pode Saber" observasse o mundo pela ótica dessas crianças, isto é: como as ordens que receberam eram da mãe,
elas não acreditam estar vivendo
uma situação anômala. Para elas,
o mundo era assim.
Assim, as elipses que se sucedem ao longo do filme (a mais tocante sendo a que diz respeito à
menininha, já no terço final) articulam-se perfeitamente à ausência da mãe. Assim como as explicações da mulher para seus sumiços periódicos (ou para o porquê
de as crianças deverem permanecer reclusas) deixam no ar mais
dúvidas do que outra coisa, também as elipses -que são supressões de eventos ocorridos ou de
parte deles- suspendem o sentido, instauram dúvidas.
Mas é impossível negar que
existe uma facilidade nesse sistema. O cineasta japonês utilliza-o
para evitar a dramaticidade, mas
com isso como que evita o que há
de dramático nos fatos narrados.
O efeito é interessante, mas às vezes desigual: é forte quando consegue com economia e eficácia
mostrar a degradação da vida no
apartamento, por exemplo; bem
mais fraco quando deixa no ar interrogações que o espectador se
faz sobre como as crianças resolvem tal ou tal problema.
No primeiro caso, o mistério da
existência é colocado em relevo;
no segundo, "Ninguém Pode Saber" apenas parece evitar certos
problemas sugeridos pelo argumento, mas incômodos para o caminho que o filme preferiu seguir.
Ninguém Pode Saber
Dare mo Shiranai
Direção: Hirokazu Kore-eda
Produção: Japão, 2004
Com: Yuya Yagira, Ayu Kitaura, Hiei
Kimura
Quando: hoje no HSBC Belas Artes e
amanhã no Frei Caneca Unibanco
Arteplex e no HSBC Belas Artes
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