São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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CRÍTICA

Elipses fortalecem drama familiar

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não é de estranhar que a principal figura de linguagem de "Ninguém Pode Saber" seja a elipse. Com efeito, tudo neste filme do japonês Hirozaku Kore-eda gira em torno da supressão e da ausência.
Logo no início temos uma mãe que se instala em um apartamento com seus quatro filhos. O diretor nos informa algumas coisas (e deixa de informar outras) como: as pessoas não gostam de alugar apartamento para quem tem criança pequena; todos devem portanto fazer muito silêncio e viver clandestinamente, com exceção de Akira (Yuya Yagira), o filho mais velho.
O que há de verdadeiro nessas informações não se sabe, pois a mãe logo desaparece para viver com um homem em outra cidade (ou seja: talvez os vizinhos não desgostem das crianças, mas o amante é quase certo que sim).
O fato em si é brutal, e até se pode imaginar o tipo de patuscada que Jayme Monjardim, por exemplo, produziria a partir dele. Mas Hirozaku Kore-eda prefere, a partir de então, enfatizar seja o notável estoicismo de Akira, seja o sentido de disciplina das crianças, numa situação que tende ao caos.
O confinamento define a existência das crianças: não sair nunca, não se mostrar. Nada. Tudo isso, associado aos sumiços periódicos da mãe (antes de partir) se soma para tornar mais confortável seu desaparecimento final (quanto menor a mobilidade dos filhos, maior sua possibilidade de ir para qualquer lugar sem ser detectada).
Akira será constrangido, após o sumiço da mãe, a viver uma espécie de dupla existência, de criança (que é) e de adulto, responsável pelos irmãos. O ponto forte do filme é, nesse sentido, a capacidade de evitar o sentimentalismo. É como se "Ninguém Pode Saber" observasse o mundo pela ótica dessas crianças, isto é: como as ordens que receberam eram da mãe, elas não acreditam estar vivendo uma situação anômala. Para elas, o mundo era assim.
Assim, as elipses que se sucedem ao longo do filme (a mais tocante sendo a que diz respeito à menininha, já no terço final) articulam-se perfeitamente à ausência da mãe. Assim como as explicações da mulher para seus sumiços periódicos (ou para o porquê de as crianças deverem permanecer reclusas) deixam no ar mais dúvidas do que outra coisa, também as elipses -que são supressões de eventos ocorridos ou de parte deles- suspendem o sentido, instauram dúvidas.
Mas é impossível negar que existe uma facilidade nesse sistema. O cineasta japonês utilliza-o para evitar a dramaticidade, mas com isso como que evita o que há de dramático nos fatos narrados. O efeito é interessante, mas às vezes desigual: é forte quando consegue com economia e eficácia mostrar a degradação da vida no apartamento, por exemplo; bem mais fraco quando deixa no ar interrogações que o espectador se faz sobre como as crianças resolvem tal ou tal problema.
No primeiro caso, o mistério da existência é colocado em relevo; no segundo, "Ninguém Pode Saber" apenas parece evitar certos problemas sugeridos pelo argumento, mas incômodos para o caminho que o filme preferiu seguir.


Ninguém Pode Saber
Dare mo Shiranai
   
Direção: Hirokazu Kore-eda
Produção: Japão, 2004
Com: Yuya Yagira, Ayu Kitaura, Hiei Kimura
Quando: hoje no HSBC Belas Artes e amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex e no HSBC Belas Artes


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