São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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CINEMA

Sydney Pollack conta à Folha como foram as negociações para poder filmar "A Intérprete" no prédio das Nações Unidas

ONU serve de cenário para thriller político

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Para parafrasear o sábio Perry White (a versão sacana do extinto "Planeta Diário", não a versão séria do chefe de Clark Kent em "Super-Homem"), o cineasta Sydney Pollack, 70, é um velho lobo-do-mar de Hollywood.
Bissexto, já dirigiu de "Tootsie" (82) a "A Firma" (93), passando por "Três Dias do Condor" (75), além de "Entre Dois Amores", que lhe rendeu dois Oscars em 85, e uma gema que arrancou talvez a melhor atuação de Burt Lancaster (1913-94), o subestimado "O Enigma de uma Vida" (68).
Atrás das câmeras, levou 12 atores a ganhar um Oscar, de Barbra Streisand a Paul Newman, de Meryl Streep a Dustin Hoffman. Assim, não é surpresa que este norte-americano de Lafayette, Indiana, mas com sotaque do Bronx, quisesse ser o autor do primeiro filme feito na ONU.
Dois anos de negociações com o secretário-geral, Kofi Annan, e conseguiu. Saiu "A Intérprete", com Sean Penn no papel de um agente federal encarregado de proteger uma tradutora africana especializada na língua Ku (coloque sua própria piada aqui), de uma tribo de um país fictício, que por acaso ouve um plano de assassinato. Ela é Nicole Kidman, na quinta colaboração entre os dois. O resultado é um thriller policial, com toques políticos e um romance amarrando a história.

 

Folha - Por que filmar na ONU agora, quando a instituição está enfraquecida por ter sido ignorada na Guerra do Iraque e por sucessivos escândalos com Kofi Annan?
Sydney Pollack -
Quando eu aceitei dirigir este filme, a história era diferente. Aceitei porque gosto de fazer thrillers e porque se passava num lugar que eu não conhecia muito, só o que lia nos jornais. Como ninguém jamais tinha filmado lá, achei que seria fascinante mostrar isso ao mundo.

Folha - Então é coincidência o sr. fazer um filme político 30 anos depois de "Três Dias do Condor", quando o governo dos EUA também estava sendo criticado?
Pollack -
Veja, sei muito bem que este é um filme político e gosto disso. Mas tentei ser cuidadoso. Não estou fazendo "Z" [obra-prima de Costa-Gavras de 1968 sobre a Ditadura dos Coronéis na Grécia]. Quando você aceita fazer um filme ligado a um grande estúdio, tudo custa tão caro que você não pode se dar o luxo de fazer algo com uma mensagem política muito óbvia. Tem de dar um jeito de trabalhar de uma forma híbrida. Em "Condor", queria fazer uma crítica à CIA, mas, se não funcionasse como um thriller, estava perdido. Ninguém lhe dá US$ 90 milhões para ser político.

Folha - Houve censura da ONU?
Pollack -
Annan indicou um de seus subsecretários, Shashi Tharoor, um indiano ótimo que também é um escritor, para ler o roteiro. Como eu não tinha o texto finalizado, ia dando o que tinha. Primeiro 20 páginas, aí mais dez...

Folha - Como os convenceu a deixar filmar lá dentro?
Pollack -
Foi uma batalha. Chegamos a ir ao Canadá para tentar encontrar pedaços de outros prédios que pudessem ser usados, e eu tinha um time de especialistas em computação gráfica que me garantiu que dava para fazer o cenário depois, mas fiquei deprimido com essa idéia. Não que eu não passe a maior parte do tempo deprimido [risos]. Então comecei a ligar para conhecidos que pudessem ter influência política e consegui, após meses, uma entrevista com Annan. Na nossa primeira conversa, abri o jogo: o filme não seria uma propaganda para a ONU, eu não sou relações-públicas e não faria esse papel. Mas, como queria muito filmar lá, também não o faria passar vergonha.

Folha - Sob sua direção, 12 atores ganharam Oscar. Qual o segredo?
Pollack -
Não tenho idéia. Comecei como ator frustrado, mas estudei com um grande professor, que me contratou como seu assistente quando eu tinha 19 anos. Quando comecei a dirigir, não sabia nada da função, não tinha idéia de como me comportar no set, não tinha estudado direção, iluminação, câmera, nada que deixa os grandes diretores obcecados. Mas tinha esse passado de entender os atores e como eles podem melhorar sua atuação. E foi assim.

Folha - Como ensinou Tom Cruise a cozinhar?
Pollack -
Não foi bem assim. Ele aprendeu a fazer duas especialidades minhas, um pato cozido desfiado com shiitake e um carneiro assado com risoto de limão, durante as filmagens de "Olhos Bem Fechados". Como sou enjoado com comida, raramente aceito o que é trazido para o set. Gosto de cozinhar meu jantar. Então, Tom pediu para o assistente dele ficar atrás de mim com uma câmera enquanto preparava o jantar e estudou obsessivamente o vídeo. Ele me convidou para jantar duas vezes. Estavam ótimas.


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