São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2006

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POPLOAD

O pop vai comer a si mesmo

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

O pop é uma coisa adorável. Principalmente quando ele se auto-reverencia, dialoga entre si, se enche de citações próprias, se canibaliza e, assim, se torna mais pop ainda. E mais adorável.
Neste final de semana, Recife é sacudido por mais uma edição do famoso festival Abril pro Rock, um dos principais eventos da música independente nacional, que aborda os indies em suas várias camadas. Sim, a música independente, se você não percebeu, há algum tempo tem várias camadas. E o produtor do festival, o conhecido Paulo André, um dos heróis da música independente nacional da época que a música independente nacional precisava de heróis, está atento a isso.
O Abril pro Rock 2006 vai ter atrações gringas (o alemão Stereo Total, o DJ americano Diplo), os indie-cult Cidadão Instigado (CE) e Orquestra Imperial (RJ), os "populares" Cachorro Grande (RS) e Angra (SP) e os indies-da-hora Montage (CE), alguns nomes da ceninha local. Mais umas 20 outras atrações em seus dois palcos
Mas o Abril pro Rock não vai ter The Playboys, sexteto punk-zoeira de Recife. E, numa das (re)ações mais legais do cenário nacional nos últimos tempos, o "desprezado" The Playboys vai lançar amanhã no próprio Abril pro Rock o single "Paulo André Não me Ouve", já exposto na internet há algumas semanas (www.theplayboys.com.br).
Punk pegajoso com tecladinho e vozes sampleadas, "Paulo André Não me Ouve" é um bem-humorado libelo "revanchista" contra a não-escalação do Playboys, banda indie da cena recifense, no gigante (padrões underground) festival de Paulo André.
"Paulo André, não me ouve/ Paulo André, não me ouve/ Não presta atenção no meu release e CD/ Se eu não tocar no Abril pro Rock, como vou aparecer na MTV", diz a longa letra, que cita as "intenções" da banda em fazer sucesso, outros produtores de Recife, jornalistas pop locais.
"Paulo André, vamos ganhar dinheiro juntos, cara/ A gente faz uma música de vanguarda para você/ Mas por favor me exporta para a Europa/ Eu quero ser exportado, cara", continua a letra, que conta com um padrinho da velha-guarda local, no caso Rogê, lendário agitador do mangue bit (ou beat) que está até em título de música de Chico Science. É de Rogê a engraçada voz "Paulo André foi ontem pra Nova York", sampleada, que permeia e finaliza a música, indicando a possibilidade (ou desculpa) de não conseguir encontrar o Paulo André.
"A gente sabe que o Paulo André não consegue ouvir os milhões de CDs de bandas novas que mandam para ele. Mas é nossa função tentar chamar a atenção dele do modo que dá", diz João Neto, o vocalista. "Ele sabe que a música não é para achincalhar ele. Me disse que não ficou chateado. Até achou legal."
No ano passado, em outro ato de guerrilha indie, o então não-convidado The Playboys conseguiu alugar uma tenda "para vender coisas" na edição 2005 do Abril pro Rock e participar de algum modo do festival. Acabaram levando amplificadores e improvisaram um show repentino, na área comercial do Abril. Conseguiram atrair até o roqueiro gaúcho Wander Wildner para uma participação especial. O lugar ficou conhecido como "Palco 3".
O Abril pro Rock, hoje, deve ser novamente "invadido" pelo The Playboys, que vai levar cem cópias prensadas às pressas de "Paulo André Não me Ouve". Paulo André vai ouvir The Playboys.


@ - lucio@uol.com.br

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