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Comentário
Projeto reforça competição no jogo das letras
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O "reality show" de letras parece fazer todo o
possível para evitar a
banalização dos programas televisivos, segundo diz a própria
organização do projeto. Não se
sabe quem são os autores -assinam com um "ex-libris"-,
não há fotos e a comunicação só
acontece por meio dos textos.
Nada se sabe sobre sua vida
pessoal.
Não acredito nisso. Creio que
é só mais uma forma de maquiar a banalização, a mesquinharia do processo. Pois um
elemento fundamental foi
mantido: a exclusão. A cada número de semanas, exclui-se um
concorrente, com base na eleição do público e dos juízes, escritores mexicanos consagrados, que também propõem as
"provas" literárias.
A democratização da literatura -e parece ser esse um dos
objetivos do projeto- fracassa
no momento mesmo em que se
oferece ao público a chance de
excluir os jogadores. Quais são
os critérios? Como escrever
bem, quando a qualidade depende de concorrência? O que
está em jogo: escrever bem ou
provocar a queda dos adversários; ler bem ou eliminar os jogadores?
A boa literatura já é um jogo
em si mesma. Um jogo no sentido de convocar o leitor à brincadeira, à inutilidade, à subversão de todos os finalismos com
que somos obrigados a conviver diariamente. Lendo, esquecemos os nossos objetivos imediatos e nos perdemos numa
viagem sem porquê, cujo único
motivo é a própria viagem. Não
lemos para chegar a algum lugar, além do lugar da própria
leitura.
Mas, quando essa brincadeira se transforma em jogo sério,
com regras, concorrentes, exclusão, votação, premiação, aí a
história é outra. A literatura, a
rigor, distrai, diverte e deleita.
Distrair é separar, romper, ou
seja, sair dos trilhos, mudar a
rota. Divertir-se é a mesma coisa: mudar a versão, olhar o
mundo de novas formas. E o
deleite é a delícia, a ousadia de
ter prazer quando o dever pode
causar tanto tédio.
A aparente "inovação" desse
"reality show" das letras não
parece se propor a nada disso.
Pelo contrário. Parece colocar a
literatura na mesma engrenagem de atenção, concentração e
sucesso dos outros negócios
(negócio é negação do ócio).
Melhor seria um "unreality
show", em que todos brincassem, ninguém fosse excluído e
o prêmio fosse um "jardim de
caminhos que se bifurcam".
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