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Crítica/ "Alborada do Brasil"
Gaiteiro surpreende em álbum brasileiro
SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA
"Alborada do Brasil" é
o novo CD do gaiteiro (é assim que
se denomina quem toca gaita
de foles) e flautista Carlos Núñez. Ele é uma personalidade
central da cultura da Galícia,
região do extremo noroeste espanhol cuja capital é Santiago
de Compostela e cuja língua parece muito com o português do
Brasil.
As cinco primeiras faixas são
surpreendentes, a começar pela insólita abertura, uma antiga
melodia tradicional musicada
pela poetisa Rosalía de Castro
(1837-1885), fundadora da moderna literatura galega.
Fernanda Takai está ótima
na voz principal -cantando em
galego uma melodia cheia de
ornamentações improvisatórias-, em diálogo com as flautas de Núñez e com um rap preparado pelo produtor do disco
Alê Siqueira.
Segue-se "Vou Vivendo", de
Pixinguinha, com a flauta doce
de Carlos e o violão de Milton 7
cordas, e "Alvorada", de Cartola, com Wilson das Neves.
Em "Nau Bretoa" surge enfim a gaita, e não é difícil para
Núñez transformar o Nordeste
do Brasil em Nação Celta, já
que a herança dos modos medievais possibilita -tal como
na Escócia, Bretanha ou Galícia- a presença de "pedais",
notas que permanecem soando
enquanto o gaiteiro digita a melodia nas "cantadeiras".
A faixa conta com Lenine, e
se destaca em relação às outras
que igualmente exploram ritmos nordestinos (apesar de
convidados ilustres, como Dominguinhos em "Xotes Universitários", e do grupo tradicional
irlandês The Chieftains em "Y-Brasil"). A participação menos
criativa talvez seja a de Carlinhos Brown, em "Padaria Elétrica da Barra".
Momentos especiais são a camerística "Gaita", encontro entre o compositor gaúcho Radamés Gnattali (1906-1988) e a
voz da gaúcha Adriana Calcanhoto (com André Mehmari ao
piano), e "Ponta de Areia", também com a presença do The
Chieftains.
Para realizar esse projeto
Carlos passou mais de um ano
no Brasil e conviveu diretamente com os músicos daqui,
aos quais generosamente cede,
por algumas vezes, o controle
das faixas.
Mescla de busca pessoal, investigação histórica e possibilidade de renovação de sua própria poética, o CD nada pede ao
Brasil. Ao contrário: quando, ao
final, o gaiteiro faz de "Asa
Branca" uma "Amazing Grace
do sertão", é como se oferecesse à nossa música um fundamento perdido, a nota arquetípica capaz de sustentar tanta
diversidade.
ALBORADA DO BRASIL
Artista: Carlos Núñez
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 24, em média
Avaliação: ótimo
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