São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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Crítica/ "Alborada do Brasil"

Gaiteiro surpreende em álbum brasileiro

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

"Alborada do Brasil" é o novo CD do gaiteiro (é assim que se denomina quem toca gaita de foles) e flautista Carlos Núñez. Ele é uma personalidade central da cultura da Galícia, região do extremo noroeste espanhol cuja capital é Santiago de Compostela e cuja língua parece muito com o português do Brasil.
As cinco primeiras faixas são surpreendentes, a começar pela insólita abertura, uma antiga melodia tradicional musicada pela poetisa Rosalía de Castro (1837-1885), fundadora da moderna literatura galega. Fernanda Takai está ótima na voz principal -cantando em galego uma melodia cheia de ornamentações improvisatórias-, em diálogo com as flautas de Núñez e com um rap preparado pelo produtor do disco Alê Siqueira.
Segue-se "Vou Vivendo", de Pixinguinha, com a flauta doce de Carlos e o violão de Milton 7 cordas, e "Alvorada", de Cartola, com Wilson das Neves.
Em "Nau Bretoa" surge enfim a gaita, e não é difícil para Núñez transformar o Nordeste do Brasil em Nação Celta, já que a herança dos modos medievais possibilita -tal como na Escócia, Bretanha ou Galícia- a presença de "pedais", notas que permanecem soando enquanto o gaiteiro digita a melodia nas "cantadeiras".
A faixa conta com Lenine, e se destaca em relação às outras que igualmente exploram ritmos nordestinos (apesar de convidados ilustres, como Dominguinhos em "Xotes Universitários", e do grupo tradicional irlandês The Chieftains em "Y-Brasil"). A participação menos criativa talvez seja a de Carlinhos Brown, em "Padaria Elétrica da Barra".
Momentos especiais são a camerística "Gaita", encontro entre o compositor gaúcho Radamés Gnattali (1906-1988) e a voz da gaúcha Adriana Calcanhoto (com André Mehmari ao piano), e "Ponta de Areia", também com a presença do The Chieftains.
Para realizar esse projeto Carlos passou mais de um ano no Brasil e conviveu diretamente com os músicos daqui, aos quais generosamente cede, por algumas vezes, o controle das faixas.
Mescla de busca pessoal, investigação histórica e possibilidade de renovação de sua própria poética, o CD nada pede ao Brasil. Ao contrário: quando, ao final, o gaiteiro faz de "Asa Branca" uma "Amazing Grace do sertão", é como se oferecesse à nossa música um fundamento perdido, a nota arquetípica capaz de sustentar tanta diversidade.


ALBORADA DO BRASIL

Artista: Carlos Núñez
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 24, em média
Avaliação: ótimo




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