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O preço do sucesso
André Midani, um dos nomes mais importantes da indústria fonográfica brasileira dos anos 60 aos 90, conta como é feita a cobrança para execução de música nas rádios e TVs, conhecida como jabá
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"O jabá existe." Pela primeira
vez, uma das figuras centrais da
indústria do disco no Brasil explicita a história do pagamento clandestino feito por gravadoras para
emplacar sucessos musicais em
emissoras de rádio e televisão.
André Midani, 70, um dos homens mais poderosos da indústria fonográfica brasileira dos anos 60 aos 90, concordou em dizer à Folha como participou de acordos de execução de músicas por intermédio da prática do jabá
-que ele próprio descreve como uma modalidade de suborno.
Aposentado da indústria há dois anos e atuando em ONGs como a Viva Rio, Midani diz apoiar o projeto de lei de criminalização
do jabá, que o deputado Fernando Ferro (PT-PE) pretende apresentar nos próximos dias.
Midani participou da invenção da bossa nova na Odeon (hoje
EMI) do final dos anos 50 e consolidou a geração tropicalista na
Philips (atual Universal) dos 60.
Nessa gravadora, na década de 70,
reuniu elenco de peso, com Chico
Buarque, Elis Regina, Caetano
Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil,
Maria Bethânia, Nara Leão, Mutantes, Tim Maia, Jorge Ben, Erasmo Carlos, Raul Seixas etc.
Fundador da filial brasileira da
Warner, em 77, foi um dos homens fortes da invasão roqueira
dos 80, impulsionando nomes como Titãs, Kid Abelha, Ira! e Ultraje a Rigor. Nos anos 90, dirigiu a
partir dos EUA as operações latino-americanas da Warner.
Numa suíte de um hotel em São
Paulo, ele recebeu a Folha para falar sobre a origem do esquema.
Pediu para que o gravador fosse
ligado e admitiu que pagou e ainda hoje pagaria jabá a artistas que
considera talentosos. Citou negociações envolvendo Chacrinha, a
rádio Jovem Pan e a gravadora
Abril Music. Leia trechos a seguir.
Folha - Na indústria fonográfica,
é unânime a afirmação de que não
existe jabá no Brasil. É verdade?
André Midani - O jabá existe. Não
é uma coisa nova nem particular
da indústria fonográfica. Sempre
se ouve falar "vamos acabar com a
prostituição", "vamos acabar
com as drogas", "vamos acabar
com o jabá". O mundo nasceu
corrupto e acabará um belo dia na
miséria da sua corrupção.
Folha - Quando começou?
Midani - Tal como é hoje, e em
quantidades talvez menores do
que agora, começou, creio, em 70,
71. Eu estava com uma parte grande dos artistas importantes, então
não tinha tanta preocupação. Fazia sucesso no rádio porque os artistas genuinamente faziam sucesso. Mas, num belo dia, um colaborador meu chegou dizendo
que estava havendo um movimento, que o pessoal do rádio
gostaria que se reconhecessem
seus méritos. Havia se formado
uma rede entre vários programadores importantes de rádios do
Rio e de São Paulo.
"Que me importa?", disse. Telefonei para alguns artistas e expliquei que estava acontecendo
aquilo, disse que não estava a fim
de participar. Eles apoiaram.
Para minha surpresa, uns dias
depois, nossos discos saíram da
programação. Aguentei uma,
duas semanas. Na terceira não
deu mais, porque os próprios artistas disseram: "Pô, pelo amor de
Deus! A gente está fora do ar". Dali por diante, o jabá estava instalado. Tomei uma atitude pragmática: se é a regra do jogo, lá vou eu.
Folha - Quais eram as regras?
Midani - Eram lamentáveis, porque não eram profissionais. Vim
do México em 55, onde o jabá rolava com grande despudor. Mas
lá, pelo menos, havia uma regra:
toco cinco vezes por dia, lhe pago
tanto. No Brasil, a indústria perdeu muito rapidamente o controle sobre o que se tocava. Pagava e
não sabia se ia tocar. Hoje, não estou muito a par, mas piorou.
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