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A BIBLIOTECA DE MANGUEL
Para argentino, obra do brasileiro deveria ser considerada barroca pela forma como explora digressões
"Machado explode e reconstrói o romance"
DA REDAÇÃO
Leia a continuação da entrevista
com o escritor Alberto Manguel
sobre "Os Livros e os Dias".
(SC)
Folha - No capítulo dedicado a
Machado de Assis, você diz que ele
deveria ser considerado um escritor barroco. Por quê?
Alberto Manguel - O barroco leva consigo a idéia de explosão. O
escritor toma o romance e o explode, o converte em fragmentos
que vai reconstruir, ocultando o
tema central através de distorções
e distrações. Já a novela romântica é uma novela clássica, com começo, itinerário de progressão e
fim, sem muitas digressões. Machado de Assis não se encaixa
nesse formato. Machado de Assis
é todo ele digressão.
Folha - Você faz inúmeras listas
no livro, o que faz lembrar Borges.
Manguel - Eu tenho a mesma
paixão de Borges por listas. É uma
forma de fazer poesia, pois a associação que fazemos quando listamos cria um universo de comparação e metáfora. Uma lista é um
mundo com regras próprias e que
propõe uma coerência.
Folha - No capítulo sobre "O Deserto dos Tártaros", você cita o italiano Dino Buzzatti, "todos os escritores e artistas, não importa por
quanto tempo vivam, dizem somente uma única e mesma coisa".
Concorda com essa frase?
Alberto Manguel - Tenho esse
sentimento de que, ao longo da
vida, um autor sempre busca defini-la, e tudo o que escreve são tentativas disso. Já os leitores buscam
nos livros a confirmação de uma
experiência repetida.
Folha - Você acha que um livro
pode mudar o mundo?
Manguel - Quando um autor decide que quer mudar o mundo
com um livro, isso não significa
que o leitor irá ler dessa maneira.
Jonathan Swift, por exemplo, escreveu "Viagens de Gulliver" porque queria mudar sua sociedade,
fazer uma crítica feroz aos costumes da época. Mas o leitor decidiu
que aquele era um livro para
crianças. Então...
Folha - O que você faria se tentassem privá-lo de sua biblioteca, como fizeram o padre e o barbeiro
com Dom Quixote para evitar que
ficasse ainda mais louco?
Manguel - Seria um pesadelo.
Uma condenação quase insuportável. É claro que houve tantos
melhores leitores que eu que tiveram que se separar de seus livros
por várias razões, em prisões ou
em campos de concentração.
Mas, mesmo nesses casos, cada
um de nós tem uma biblioteca na
memória na qual podemos ler,
pelo menos, algumas páginas.
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