São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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A BIBLIOTECA DE MANGUEL

Para argentino, obra do brasileiro deveria ser considerada barroca pela forma como explora digressões

"Machado explode e reconstrói o romance"

DA REDAÇÃO

Leia a continuação da entrevista com o escritor Alberto Manguel sobre "Os Livros e os Dias". (SC)
 

Folha - No capítulo dedicado a Machado de Assis, você diz que ele deveria ser considerado um escritor barroco. Por quê?
Alberto Manguel -
O barroco leva consigo a idéia de explosão. O escritor toma o romance e o explode, o converte em fragmentos que vai reconstruir, ocultando o tema central através de distorções e distrações. Já a novela romântica é uma novela clássica, com começo, itinerário de progressão e fim, sem muitas digressões. Machado de Assis não se encaixa nesse formato. Machado de Assis é todo ele digressão.

Folha - Você faz inúmeras listas no livro, o que faz lembrar Borges.
Manguel -
Eu tenho a mesma paixão de Borges por listas. É uma forma de fazer poesia, pois a associação que fazemos quando listamos cria um universo de comparação e metáfora. Uma lista é um mundo com regras próprias e que propõe uma coerência.

Folha - No capítulo sobre "O Deserto dos Tártaros", você cita o italiano Dino Buzzatti, "todos os escritores e artistas, não importa por quanto tempo vivam, dizem somente uma única e mesma coisa". Concorda com essa frase?
Alberto Manguel -
Tenho esse sentimento de que, ao longo da vida, um autor sempre busca defini-la, e tudo o que escreve são tentativas disso. Já os leitores buscam nos livros a confirmação de uma experiência repetida.

Folha - Você acha que um livro pode mudar o mundo?
Manguel -
Quando um autor decide que quer mudar o mundo com um livro, isso não significa que o leitor irá ler dessa maneira. Jonathan Swift, por exemplo, escreveu "Viagens de Gulliver" porque queria mudar sua sociedade, fazer uma crítica feroz aos costumes da época. Mas o leitor decidiu que aquele era um livro para crianças. Então...

Folha - O que você faria se tentassem privá-lo de sua biblioteca, como fizeram o padre e o barbeiro com Dom Quixote para evitar que ficasse ainda mais louco?
Manguel -
Seria um pesadelo. Uma condenação quase insuportável. É claro que houve tantos melhores leitores que eu que tiveram que se separar de seus livros por várias razões, em prisões ou em campos de concentração. Mas, mesmo nesses casos, cada um de nós tem uma biblioteca na memória na qual podemos ler, pelo menos, algumas páginas.


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