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Micropolítica predomina
na disputa
DO ENVIADO A CANNES
O 58º Festival de Cannes foi
um dos melhores dos últimos
anos, apresentando uma penca
de bons filmes de grandes diretores, como David Cronenberg, Lars von Trier, Jim Jarmusch, Gus van Sant, Wim
Wenders e Hou Hsiao Hsien. A
maioria dos 21 filmes concorrentes adotou formas e narrativas mais clássicas.
No ano passado, ainda sob os
efeitos da invasão do Iraque, a
mostra cinematográfica foi
marcadamente macropolítica e
acabou dando a Palma de Ouro
a "Fahrenheit 11 de Setembro",
do americano Michael Moore.
Neste ano, mesmo quando
trataram de um tema forte como o da imigração, os filmes tiveram principalmente um enfoque micropolítico, abordando, numa perspectiva social, a
família, a paternidade e a vida
de casal.
A família em questão
Numa época em que movimentos sociais e os partidos entraram em crise, sobretudo no
Primeiro Mundo, a família
transformou-se para os filmes
em Cannes na principal questão ética e política. Qual o significado social de uma família?
Para que preservar a família? O
que quer uma família?
Estas são as questões de
"Lemming" (de Dominik
Moll), "Caché" (Michael Haneke), "O Anjo da Morte" (Cronenberg), "Broken Flowers"
(Jarmusch), "L'Enfant" (irmãos Dardenne), "Peindre ou
Faire L'Amour" (irmãos Larrieu) e "Don't Come Knockin'"
(Wenders).
Cada filme responde à sua
maneira, ora com ironia, ora
com esperança, alguns com visada política, outros, poética.
Em quase todos, a família não é
algo dado, nem algo fácil de se
obter. Ela deixa de ser simples
convenção, para se tornar um
problema permanente e uma
conquista.
O casal
O tema da família leva a tratar
por conseqüência da questão
do casal. O que mantém homem e mulher juntos num
mundo extramoral e sexualmente aberto?
Nos filmes em Cannes, o casal precisa passar por uma espécie de choque ou psicodrama, que desmonta a hipocrisia
pequeno-burguesa e faz da
franqueza e da compreensão a
base das relações, como em
"Peindre ou Faire L'Amour"
(pintar ou fazer amor), "Lemming" e "O Anjo da Morte".
A paternidade
A paternidade, mais do que a
maternidade, predominou na
abordagem dos filmes. Em
"Broken Flowers" e "Don't Come Knockin'", vemos homens
buscando filhos que eles não
conhecem. Em "L'Enfant", um
pai vende o seu bebê.
Entre pai e filho, vigora uma
forte cisão. A paternidade vira
algo complicado de ser conquistado e que não é dado apenas pela natureza. Homens solitários ou enfraquecidos de repente imaginam que um filho e
uma família possam dar um
sentido à sua vida. Não há nenhuma nostalgia do patriarcalismo, mas uma restauração
problemática da figura do pai.
A paternidade é assunto até
mesmo de "A Vingança dos
Sith", terceiro episódio de
"Guerra nas Estrelas", dirigido
por George Lucas, cuja première ocorreu em Cannes com
uma festa bombástica.
A força da história
Homens que escondem seu
passado foram assunto de filmes como "Caché", "O Anjo da
Morte" e "Where the Truth
Lies" (onde a verdade repousa), de Atom Egoyan. Outros
homens saem atrás de seu passado, como Sam Shepard em
"Don't Come Knockin'", ou do
passado de amigos, como "The
Three Burials of Melquiades
Estrada" (os três enterros de
Melquiades Estrada), estréia na
direção de longas do ator
Tommy Lee Jones.
O passado questiona o presente e, às vezes, historiciza as
relações pessoais, como em
"Caché", que relaciona um recalcado familiar com a colonização francesa na Argélia.
O passado dá força às narrativas e serve de crítica a um mundo que perdeu a espessura histórica e tende a mergulhar num
presente perpétuo e niilista, como reflete "Three Times", de
Hou Hsiao Hsien.
(ALN)
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