|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
58º FESTIVAL DE CANNES
Famoso por transformar casos médicos em literatura, neurologista britânico, autor de "Tempo de Despertar" fala em eventos no Brasil
Oliver Sacks conjuga alma e medicina
LILIAN LIANG
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Aos 72 anos, o neurologista britânico Oliver Sacks mantém um
vigor de fazer inveja. Em sua curta
estada no Brasil, o médico-escritor participou, anteontem, em SP,
da abertura do congresso Pitágoras, um encontro de educadores,
onde tratou da questão das diferenças -no dialeto Sacks, condições neurológicas- como parte
da identidade individual.
O congresso mal havia terminado, e Sacks já estava na ponte aérea, para a 12ª Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro,
onde falaria, ontem, sobre "A
Neurologia e a Alma".
Conhecido principalmente por
seu livro "Tempo de Despertar",
transformado em filme em 1990,
o autor trata com conhecimento e
sensibilidade de temas que, em
princípio, podem soar puramente
científicos -autismo, surdez, cegueira, daltonismo, agnosia-,
mas que, em sua narrativa, tornam-se verdadeiras análises antropológicas de doença e identidade, inclusão e adaptação.
Em Sacks, as personas do médico e do escritor não podem ser
dissociadas. Na neurologia, ele
encontrou um vasto campo para
exploração e uma oportunidade
para que medicina e literatura finalmente coexistissem. "Sempre
me senti dividido entre o impulso
de escrever e o impulso médico-científico", diz Sacks à Folha.
"A medicina e a literatura se
uniram quando passei a examinar pacientes em 1966. Ouvia histórias e queria contá-las -descobri que a medicina é feita de histórias e nada mais. O psicólogo russo A.R. Luria também me influenciou muito com o livro "A Mente
de um Mnemonista" [1968], em
que faz um relato de caso com a
sensibilidade de um drama. É a
ciência romântica."
A questão da alma, tema de sua
palestra na Bienal, permeia algumas dessas histórias -não com
uma conotação religiosa, mas como parte de uma investigação,
como uma das possíveis explicações para a serenidade e presença
de espírito em certos pacientes.
Filho de judeus ortodoxos, Sacks
considera-se ateu. "A natureza
me basta. Acho que deveria bastar
a todos. Mas quem sou eu para dizer qualquer coisa?", brinca.
Foi o fascínio pela natureza que
despertou, ainda muito cedo, sua
curiosidade pela química -descrita em sua autobiografia "Tio
Tungstênio - Memórias de uma
Infância Química" (Companhia
das Letras)- e, depois, pela biologia e medicina. "O interesse pela
medicina aconteceu em parte por
ser um tipo diferente de ciência.
Trata-se de populações, variações, de evolução de espécies e indivíduos." A mesma curiosidade
o levou a escolher a neurologia.
"O cérebro é o órgão da identidade. Envolve tudo que é inato a
uma pessoa e suas experiências,
pensamentos e emoções. O coração também é brilhante, mas não
passa de uma bomba", brinca. "O
cérebro nos molda, e nós também
o moldamos. É maravilhoso combinar o universo físico e mental."
Sacks vê o interesse nesse gênero -um exemplo local é o oncologista e colunista da Folha Drauzio Varella, autor de "Por um
Fio"- como uma tendência. "Os
leitores se interessam porque essas histórias revelam profundidades e recursos inesperados. Não
se trata apenas da doença, mas
sim das condições humanas, da
superação e dos recursos usados
para isso. E isso é universal."
Texto Anterior: Design: Design Brasileiro - Quem Fez, Quem Faz Próximo Texto: Intimidade com dramas marca obra Índice
|