São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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58º FESTIVAL DE CANNES

Famoso por transformar casos médicos em literatura, neurologista britânico, autor de "Tempo de Despertar" fala em eventos no Brasil

Oliver Sacks conjuga alma e medicina

LILIAN LIANG
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aos 72 anos, o neurologista britânico Oliver Sacks mantém um vigor de fazer inveja. Em sua curta estada no Brasil, o médico-escritor participou, anteontem, em SP, da abertura do congresso Pitágoras, um encontro de educadores, onde tratou da questão das diferenças -no dialeto Sacks, condições neurológicas- como parte da identidade individual.
O congresso mal havia terminado, e Sacks já estava na ponte aérea, para a 12ª Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, onde falaria, ontem, sobre "A Neurologia e a Alma".
Conhecido principalmente por seu livro "Tempo de Despertar", transformado em filme em 1990, o autor trata com conhecimento e sensibilidade de temas que, em princípio, podem soar puramente científicos -autismo, surdez, cegueira, daltonismo, agnosia-, mas que, em sua narrativa, tornam-se verdadeiras análises antropológicas de doença e identidade, inclusão e adaptação.
Em Sacks, as personas do médico e do escritor não podem ser dissociadas. Na neurologia, ele encontrou um vasto campo para exploração e uma oportunidade para que medicina e literatura finalmente coexistissem. "Sempre me senti dividido entre o impulso de escrever e o impulso médico-científico", diz Sacks à Folha.
"A medicina e a literatura se uniram quando passei a examinar pacientes em 1966. Ouvia histórias e queria contá-las -descobri que a medicina é feita de histórias e nada mais. O psicólogo russo A.R. Luria também me influenciou muito com o livro "A Mente de um Mnemonista" [1968], em que faz um relato de caso com a sensibilidade de um drama. É a ciência romântica."
A questão da alma, tema de sua palestra na Bienal, permeia algumas dessas histórias -não com uma conotação religiosa, mas como parte de uma investigação, como uma das possíveis explicações para a serenidade e presença de espírito em certos pacientes. Filho de judeus ortodoxos, Sacks considera-se ateu. "A natureza me basta. Acho que deveria bastar a todos. Mas quem sou eu para dizer qualquer coisa?", brinca.
Foi o fascínio pela natureza que despertou, ainda muito cedo, sua curiosidade pela química -descrita em sua autobiografia "Tio Tungstênio - Memórias de uma Infância Química" (Companhia das Letras)- e, depois, pela biologia e medicina. "O interesse pela medicina aconteceu em parte por ser um tipo diferente de ciência. Trata-se de populações, variações, de evolução de espécies e indivíduos." A mesma curiosidade o levou a escolher a neurologia.
"O cérebro é o órgão da identidade. Envolve tudo que é inato a uma pessoa e suas experiências, pensamentos e emoções. O coração também é brilhante, mas não passa de uma bomba", brinca. "O cérebro nos molda, e nós também o moldamos. É maravilhoso combinar o universo físico e mental."
Sacks vê o interesse nesse gênero -um exemplo local é o oncologista e colunista da Folha Drauzio Varella, autor de "Por um Fio"- como uma tendência. "Os leitores se interessam porque essas histórias revelam profundidades e recursos inesperados. Não se trata apenas da doença, mas sim das condições humanas, da superação e dos recursos usados para isso. E isso é universal."


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