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"Código", o filme, é escravo do livro"
Para roteirista de "O Código Da Vinci", maior qualidade da versão cinematográfica é ser fiel ao original de Dan Brown
Akiva Goldsman crê que as platéias ficarão divididas em relação à obra de Ron Howard, repetindo a reação dos leitores quanto ao livro
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
"Ninguém gosta de críticas
negativas", diz o roteirista Akiva Goldsman. E ele tem recebido muitas nesta semana, depois
que o filme "O Código Da Vinci" -adaptado por ele do best-seller de Dan Brown- abriu o
Festival de Cannes, na última
quarta, dois dias antes de sua
estréia mundial.
Especialistas de várias partes
do mundo desaprovaram o trabalho de Goldsman, 44, o do diretor Ron Howard e o do ator
Tom Hanks, intérprete do protagonista, Robert Langdon.
A reação "não é surpreendente nem divertida", diz o roteirista, mas coerente com o sucesso do livro, que trouxe em
sua rasteira uma onda de protestos da Igreja Católica à tese
de que Jesus Cristo e Maria
Madalena eram um casal.
"As pessoas ficaram divididas em relação ao livro. As pessoas ficarão divididas em relação ao filme", diz Goldsman.
Ele falou à Folha em Cannes
no dia seguinte à sessão oficial
do longa, no luxuoso Palácio
dos Festivais.
Nessa ocasião (e talvez não
haja outra) o filme foi aplaudido de pé. "Ainda estou me sentindo ótimo com aquela ovação", diz. A seguir, a entrevista.
FOLHA - As críticas negativas o entristeceram?
AKIVA GOLDSMAN - Ninguém
gosta de críticas negativas, com
certeza. Mas o interessante é
que, quando visitei um site de
críticas, dizia que todas eram
terríveis. Depois, fui a outro
que lista todas as críticas. O que
havia literalmente, eram quatro ótimas, quatro ruins e todas
nesse intervalo eram divididas.
Não é surpreendente nem divertido, mas há uma história
por trás disso. As pessoas ficaram divididas em relação ao livro. As pessoas vão ficar divididas em relação ao filme. Tudo
bem. Sinto como se fosse um
jogo e gosto disso. Nunca tinha
vindo ao Festival de Cannes.
Pode ser que eles aplaudam de
pé todos os filmes [na sessão
oficial no Palácio dos Festivais]. Ainda assim, até agora estou me sentindo ótimo em relação àquela ovação de ontem à
noite. Agora vamos ver o que o
público acha.
FOLHA - A reação da Igreja e de
grupos católicos ao filme tem sido
intensa. Acha que essas manifestações podem derivar em algum tipo
de violência?
GOLDSMAN - A idéia do fundamentalismo é obviamente perturbadora, de onde quer que
venha. A cristandade ainda não
voltou ao ponto em que feria
ou matava pessoas que não
compartilhavam de sua crença.
Uma das coisas mais importantes na prática de qualquer fé é a
prática do questionamento.
Sou judeu e fui criado nessa
tradição. Tudo são perguntas.
Os judeus debatem o tempo todo. Mas é preciso acreditar na
prática de questionar sua fé,
sua política, seus políticos, suas
escolhas. É isso que faz você ficar vivo.
FOLHA - Na sua opinião, qual é a
maior qualidade do livro de Dan
Brown?
GOLDSMAN -
Há essa velha fórmula de ficção espelhada, que
Shakespeare usou em todas as
suas histórias. Envolvem contextos políticos reais, nos quais
se criam personagens, introduzindo uma ficção dentro desse
mundo de intriga política. Nós
adoramos isso, adoramos a
idéia da história por trás da história, de conspirações. Dan
Brown fez isso no contexto da
mais popular história cultural.
FOLHA - E qual a principal qualidade do filme feito a partir do livro?
GOLDSMAN - Seguir o livro. Você
falou sobre as críticas ruins. A
maioria delas nos acusa de termos sido demasiadamente escravos do livro. Mas esse é o
ponto que achamos bom. Nós
realmente queríamos dar para
as pessoas que gostam do livro
a experiência de ver o livro filmado. Para mim, a maior qualidade do filme é ser uma representação do livro.
FOLHA - Qual foi o seu pior pesadelo enquanto fazia o roteiro?
GOLDSMAN - Houve muitos.
Bem no começo, quando eu estava lidando com a seção de
Teabing [em que ele explica a
teoria do casamento de Jesus e
Maria Madalena], eu costumava telefonar para [o diretor]
Ron [Howard] e perguntar: por
que estou sendo punido?
FOLHA - Era por que você é judeu?
GOLDSMAN - Exato [risos].
FOLHA - No filme também há menos romance do que no livro. Por
que?
GOLDSMAN - Honestamente, no
livro não há muito romance
além de um beijo. Então, tivemos que fazer uma escolha. Se
colocássemos no filme o romance do jeito que ele é no livro, não funcionaria. No livro, o
romance aparece em monólogos internos, não no comportamento. Eles não fazem nada romântico até o beijo no final. Se
terminássemos o filme daquela
maneira, o espectador diria: "O
que é isso? De onde saiu esse
beijo?". Então, ou teríamos que
colocar mais romance na história ou menos. Optamos por menos, porque o livro é tão denso,
assim como o filme, no aspecto
da identidade, que seria difícil
ter de introduzir a situação de
os dois olhando, se tocando,
quase se beijando...
FOLHA - Conhece algo do cinema
brasileiro?
GOLDSMAN - Não. Sou tristemente provinciano nesse aspecto. Tornei-me quase um filisteu. Só quero assistir ao que
está em volta. Fiquei intelectualmente menos curioso.
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