São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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"Código", o filme, é escravo do livro"

Para roteirista de "O Código Da Vinci", maior qualidade da versão cinematográfica é ser fiel ao original de Dan Brown

Akiva Goldsman crê que as platéias ficarão divididas em relação à obra de Ron Howard, repetindo a reação dos leitores quanto ao livro

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

"Ninguém gosta de críticas negativas", diz o roteirista Akiva Goldsman. E ele tem recebido muitas nesta semana, depois que o filme "O Código Da Vinci" -adaptado por ele do best-seller de Dan Brown- abriu o Festival de Cannes, na última quarta, dois dias antes de sua estréia mundial. Especialistas de várias partes do mundo desaprovaram o trabalho de Goldsman, 44, o do diretor Ron Howard e o do ator Tom Hanks, intérprete do protagonista, Robert Langdon. A reação "não é surpreendente nem divertida", diz o roteirista, mas coerente com o sucesso do livro, que trouxe em sua rasteira uma onda de protestos da Igreja Católica à tese de que Jesus Cristo e Maria Madalena eram um casal. "As pessoas ficaram divididas em relação ao livro. As pessoas ficarão divididas em relação ao filme", diz Goldsman. Ele falou à Folha em Cannes no dia seguinte à sessão oficial do longa, no luxuoso Palácio dos Festivais. Nessa ocasião (e talvez não haja outra) o filme foi aplaudido de pé. "Ainda estou me sentindo ótimo com aquela ovação", diz. A seguir, a entrevista.  

FOLHA - As críticas negativas o entristeceram?
AKIVA GOLDSMAN
- Ninguém gosta de críticas negativas, com certeza. Mas o interessante é que, quando visitei um site de críticas, dizia que todas eram terríveis. Depois, fui a outro que lista todas as críticas. O que havia literalmente, eram quatro ótimas, quatro ruins e todas nesse intervalo eram divididas. Não é surpreendente nem divertido, mas há uma história por trás disso. As pessoas ficaram divididas em relação ao livro. As pessoas vão ficar divididas em relação ao filme. Tudo bem. Sinto como se fosse um jogo e gosto disso. Nunca tinha vindo ao Festival de Cannes. Pode ser que eles aplaudam de pé todos os filmes [na sessão oficial no Palácio dos Festivais]. Ainda assim, até agora estou me sentindo ótimo em relação àquela ovação de ontem à noite. Agora vamos ver o que o público acha.

FOLHA - A reação da Igreja e de grupos católicos ao filme tem sido intensa. Acha que essas manifestações podem derivar em algum tipo de violência?
GOLDSMAN
- A idéia do fundamentalismo é obviamente perturbadora, de onde quer que venha. A cristandade ainda não voltou ao ponto em que feria ou matava pessoas que não compartilhavam de sua crença. Uma das coisas mais importantes na prática de qualquer fé é a prática do questionamento. Sou judeu e fui criado nessa tradição. Tudo são perguntas. Os judeus debatem o tempo todo. Mas é preciso acreditar na prática de questionar sua fé, sua política, seus políticos, suas escolhas. É isso que faz você ficar vivo.

FOLHA - Na sua opinião, qual é a maior qualidade do livro de Dan Brown?
GOLDSMAN -
Há essa velha fórmula de ficção espelhada, que Shakespeare usou em todas as suas histórias. Envolvem contextos políticos reais, nos quais se criam personagens, introduzindo uma ficção dentro desse mundo de intriga política. Nós adoramos isso, adoramos a idéia da história por trás da história, de conspirações. Dan Brown fez isso no contexto da mais popular história cultural.

FOLHA - E qual a principal qualidade do filme feito a partir do livro?
GOLDSMAN
- Seguir o livro. Você falou sobre as críticas ruins. A maioria delas nos acusa de termos sido demasiadamente escravos do livro. Mas esse é o ponto que achamos bom. Nós realmente queríamos dar para as pessoas que gostam do livro a experiência de ver o livro filmado. Para mim, a maior qualidade do filme é ser uma representação do livro.

FOLHA - Qual foi o seu pior pesadelo enquanto fazia o roteiro?
GOLDSMAN
- Houve muitos. Bem no começo, quando eu estava lidando com a seção de Teabing [em que ele explica a teoria do casamento de Jesus e Maria Madalena], eu costumava telefonar para [o diretor] Ron [Howard] e perguntar: por que estou sendo punido?

FOLHA - Era por que você é judeu?
GOLDSMAN
- Exato [risos].

FOLHA - No filme também há menos romance do que no livro. Por que?
GOLDSMAN
- Honestamente, no livro não há muito romance além de um beijo. Então, tivemos que fazer uma escolha. Se colocássemos no filme o romance do jeito que ele é no livro, não funcionaria. No livro, o romance aparece em monólogos internos, não no comportamento. Eles não fazem nada romântico até o beijo no final. Se terminássemos o filme daquela maneira, o espectador diria: "O que é isso? De onde saiu esse beijo?". Então, ou teríamos que colocar mais romance na história ou menos. Optamos por menos, porque o livro é tão denso, assim como o filme, no aspecto da identidade, que seria difícil ter de introduzir a situação de os dois olhando, se tocando, quase se beijando...

FOLHA - Conhece algo do cinema brasileiro?
GOLDSMAN
- Não. Sou tristemente provinciano nesse aspecto. Tornei-me quase um filisteu. Só quero assistir ao que está em volta. Fiquei intelectualmente menos curioso.


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