São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009

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Crítica/teatro

"Auto da Defunda" tenta, em vão, achar a essência do teatro

Com poucos recursos e apenas dois atores, peça concebida por Paroni de Castro não alcança pretensão anunciada

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Experiências radicais apostam em fundar novas poéticas. "Auto da Defunta Nua", concebida por Maurício Paroni de Castro, se alinha nessa margem de risco.
O que está em jogo é um enfrentamento com a representação. Trabalhando com recursos mínimos e apenas dois jovens atores, ele ambiciona a utopia de despir a teatralidade de afetação. É uma luta vã. O eixo do projeto é a comédia "Vestir os Nus", do dramaturgo italiano Luigi Pirandello. Na trama do texto original, uma jovem babá, acusada de deixar morrer a criança de que cuidava enquanto entretinha seu patrão, finge um suicídio para um jornalista. Sua história ganha a notoriedade das manchetes, ela é acolhida por um escritor e, no final, inconformada com a impossibilidade de se fazer crível e com as diversas versões circulantes sobre seus próprios atos, decide morrer e ser velada nua, para não ter que vestir nenhuma das personalidades que lhe querem impor.
No espetáculo de Paroni de Castro, a ação da peça de Pirandello é um detalhe de menor importância. As ações da heroína Ersilia não ocorrem diante do público, e mesmo a sua elucidação só acontece no final, quando a jovem, já morta e nua, encaixada em seu esquife, narra ela própria o transcorrido.
A ação propriamente se dá desde a entrada do público no espaço cênico, quando a atriz que faz Ersilia, revelada na intimidade do camarim, conversa amenidades com o jovem ator que fará o escritor e que permanecerá durante todo o espetáculo em contracena silenciosa com ela. Lentamente, por entre as banalidades trocadas nesse diálogo, emergirão os temas centrais do encenador: verdade e mentira, representação e autenticidade, ilusão e realidade.
Toda obra de Pirandello gira em torno desses temas, o que explica a opção de Paroni de Castro. Mas ele acresce ao debate de ideias do autor outras referências, como o teatro do polonês Tadeusz Kantor, que na segunda metade do século 20 travou embates semelhantes contra a representação no plano da materialidade cênica.
A sombra de Kantor chega indiretamente, em algumas imagens em que o erótico e o fúnebre estranhamente se enlaçam, ou em citação explícita, em meio aos dois belos poemas de Sérgio Sant'Anna que compõem a dramaturgia desenvolvida pelo encenador e evocam Manuel Bandeira.
Na simplicidade de um strip-tease intercalado por momentos "reais", em que a personagem desaba de si para se revelar apenas atriz, ou a personagem de uma atriz, desenvolve-se a cena. Supostamente, o que se está despindo não é apenas o corpo de Ersilia e sim o teatro, a se revelar em sua própria nudez. Mas, de fato, a encenação não realiza tal milagre.
A atriz Janine Corrêa revela talento ao tentar, bravamente, alcançá-lo. Falta-lhe, contudo, a convicção plena do que está fazendo. Ou, talvez, o problema seja que as intenções do encenador se sobressaem a ponto de sufocarem as chances de a encenação, por si, cumprir o que ele buscava. O que acaba nua é a pretensão que se anunciara.


AUTO DA DEFUNTA NUA

Quando: sex. e sáb., às 23h59; até 27/6
Onde: Espaço dos Satyros 1 (pça. Roosevelt, 214, tel. 0/xx/11/3258-6345)
Quanto: R$ 20
Classificação: 18 anos
Avaliação: regular




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