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Crítica/teatro
"Auto da Defunda" tenta, em vão, achar a essência do teatro
Com poucos recursos e apenas dois atores, peça concebida por Paroni de Castro não alcança pretensão anunciada
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Experiências radicais
apostam em fundar novas poéticas. "Auto da
Defunta Nua", concebida por
Maurício Paroni de Castro, se
alinha nessa margem de risco.
O que está em jogo é um enfrentamento com a representação. Trabalhando com recursos
mínimos e apenas dois jovens
atores, ele ambiciona a utopia
de despir a teatralidade de afetação. É uma luta vã.
O eixo do projeto é a comédia
"Vestir os Nus", do dramaturgo
italiano Luigi Pirandello. Na
trama do texto original, uma jovem babá, acusada de deixar
morrer a criança de que cuidava enquanto entretinha seu patrão, finge um suicídio para um
jornalista. Sua história ganha a
notoriedade das manchetes, ela
é acolhida por um escritor e, no
final, inconformada com a impossibilidade de se fazer crível
e com as diversas versões circulantes sobre seus próprios atos,
decide morrer e ser velada nua,
para não ter que vestir nenhuma das personalidades que lhe
querem impor.
No espetáculo de Paroni de
Castro, a ação da peça de Pirandello é um detalhe de menor
importância. As ações da heroína Ersilia não ocorrem diante
do público, e mesmo a sua elucidação só acontece no final,
quando a jovem, já morta e nua,
encaixada em seu esquife, narra ela própria o transcorrido.
A ação propriamente se dá
desde a entrada do público no
espaço cênico, quando a atriz
que faz Ersilia, revelada na intimidade do camarim, conversa
amenidades com o jovem ator
que fará o escritor e que permanecerá durante todo o espetáculo em contracena silenciosa
com ela. Lentamente, por entre
as banalidades trocadas nesse
diálogo, emergirão os temas
centrais do encenador: verdade
e mentira, representação e autenticidade, ilusão e realidade.
Toda obra de Pirandello gira
em torno desses temas, o que
explica a opção de Paroni de
Castro. Mas ele acresce ao debate de ideias do autor outras
referências, como o teatro do
polonês Tadeusz Kantor, que
na segunda metade do século
20 travou embates semelhantes contra a representação no
plano da materialidade cênica.
A sombra de Kantor chega
indiretamente, em algumas
imagens em que o erótico e o
fúnebre estranhamente se
enlaçam, ou em citação explícita, em meio aos dois belos poemas de Sérgio Sant'Anna que
compõem a dramaturgia desenvolvida pelo encenador e
evocam Manuel Bandeira.
Na simplicidade de um strip-tease intercalado por momentos "reais", em que a personagem desaba de si para se revelar
apenas atriz, ou a personagem
de uma atriz, desenvolve-se a
cena. Supostamente, o que se
está despindo não é apenas o
corpo de Ersilia e sim o teatro, a
se revelar em sua própria nudez. Mas, de fato, a encenação
não realiza tal milagre.
A atriz Janine Corrêa revela
talento ao tentar, bravamente,
alcançá-lo. Falta-lhe, contudo,
a convicção plena do que está
fazendo. Ou, talvez, o problema
seja que as intenções do encenador se sobressaem a ponto de
sufocarem as chances de a encenação, por si, cumprir o que
ele buscava. O que acaba nua é a
pretensão que se anunciara.
AUTO DA DEFUNTA NUA
Quando: sex. e sáb., às 23h59; até 27/6
Onde: Espaço dos Satyros 1 (pça. Roosevelt, 214, tel. 0/xx/11/3258-6345)
Quanto: R$ 20
Classificação: 18 anos
Avaliação: regular
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