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62º FESTIVAL DE CANNES
"Faço filmes para todo o planeta"
Tarantino estreia em Cannes o global "Bastardos Inglórios", trama de guerra em que o astro é Brad Pitt
"Nós cruzávamos olhares e trocávamos bilhetinhos do tipo: "Eu gosto de você. Você gosta de mim?", diz o diretor, sobre flerte prévio com Pitt
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Antes de estrear "Bastardos
Inglórios", ontem, na competição pela Palma de Ouro do 62º
Festival de Cannes, o cineasta
norte-americano Quentin Tarantino anunciou: "Esse filme é
meu monte Everest".
Trata-se do oitavo longa na
carreira de Tarantino, 46, que
transformou o pastiche de gêneros em marca registrada
("Pulp Fiction", "Kill Bill").
Pela primeira vez, ele abraça
o "filme de guerra". A ação se situa entre 1941 e 1944, na França ocupada pelos nazistas.
Também pela primeira vez, Tarantino dirige uma estrela
hollywoodiana da grandeza de
Brad Pitt. Até aqui, nos filmes
de Tarantino, o astro era ele.
O flerte entre diretor e ator,
no entanto, vem de longe. "Nós
cruzávamos olhares à distância
e trocávamos bilhetinhos do tipo: "Eu gosto de você. Você gosta de mim?'", disse Tarantino,
ontem, na mais descontraída
entrevista coletiva do festival.
Pitt manteve o mesmo tom.
"Ele veio me ver no meio de um
verão, com o roteiro. Conversamos muito e bebemos. No dia
seguinte, quando acordei, vi
cinco garrafas espalhadas pelo
chão. Cinco! E um aparelho estranho para fumar. Aparentemente, assinei o contrato, porque, seis semanas depois, estava vestindo um uniforme."
O uniforme de Pitt em "Bastardos Inglórios" é o do tenente
Aldo Raine, que comanda uma
unidade de soldados judeus dedicada a eliminar a cúpula de
oficiais nazistas.
Cabelos escuros, cicatriz no
pescoço e um sotaque rural,
Pitt faz um personagem impiedoso: "Não estamos aqui para
dar a eles nenhuma lição de humanidade", diz Raine aos seus
subordinados, de quem exige o
escalpo dos inimigos abatidos.
As cenas de escalpamento e
outras "práticas" de guerra dão
a Tarantino a chance de introduzir os jorros de sangue comuns à sua filmografia. Intervenções gráficas pop e uma trilha musical que vai de Ennio
Morricone a David Bowie também comparecem, fazendo de
"Bastardos Inglórios" um filme
de guerra à la Tarantino.
"Sonho de vingança"
Considerar o longa "um sonho de vingança judaica" não é
despropositado, segundo Tarantino, mas, para ele, o elemento central é outro. "Meus
personagens mudam o curso da
guerra", disse.
Guinada europeia na carreira
de Tarantino, "Bastardos Inglórios" foi rodado na Alemanha e na França, com um elenco multinacional. "Não sou um
diretor norte-americano. Faço
filmes para o planeta Terra."
No longa, os personagens falam suas respectivas línguas
-francês, alemão, inglês, italiano-, enquanto o coronel Hans
Landa, um carrasco nazista, expressa-se em todas elas. Tarantino disse que desistiria do filme e apenas publicaria o roteiro, caso não encontrasse o ator
ideal para interpretar o coronel
-o austríaco Christoph Waltz.
Ao ouvir o elogio, Waltz levantou-se e deu um beijo em
Tarantino. O ator Daniel Brühl
("Adeus, Lênin") repetiu o gesto, quando Tarantino o citou.
"Eu tinha 16 anos quando vi
"Pulp Fiction" e pensei: "Um dia,
quero fazer um filme de verdade". Catorze anos mais tarde,
esse cara me chama para um
teste", contou Brühl.
A idolatria generalizada a Tarantino é uma característica de
Cannes, desde que ele estreou
no festival, com "Cães de Aluguel" (1992). Neste ano, porém,
um clima de suspense o cerca.
Tarantino e a atriz francesa
Isabelle Huppert tiveram uma
rusga durante a preparação do
filme, e ela desistiu do principal
papel feminino. Depois, foi nomeada presidente do júri do
festival. A dúvida é se o atrito
influirá na opinião de Huppert
sobre "Bastardos Inglórios".
Tarantino disse achar que não.
"Não tenho medo. Não ficou
nenhuma acrimônia entre
nós", afirmou, depois de dizer:
"Ninguém adora Isabelle Huppert mais do que eu" e atribuir a
desistência da atriz a "problemas de agenda e contrato".
NO BLOG - Leia o diário do festival
folha.com.br/ilustradanocinema
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