São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Me dá um dinheiro aí!

Captação por meio de leis de incentivo atinge R$ 1 bilhão e os absurdos desse sistema continuam intocados

ENQUANTO o nobre senador (arrrghh...) Marcelo Crivella (arrrghh...), ligado à Igreja Universal (arrrghh...), tenta passar um projeto pelo qual igrejas teriam acesso à Lei Rouanet para reformar templos, o Tribunal de Contas da União (TCU) dedica espaço, em relatório, a aspectos relativos ao uso da legislação de renúncia fiscal na área de cultura.
Não sou daqueles que, quando ouvem falar em incentivo fiscal, são acometidos por faniquitos liberais ou sentem vontade de puxar um revólver. Mas, em se tratando de destinação de recursos públicos (num país com as carências conhecidas), a questão precisa ser discutida -como, aliás, tem sido, ainda que nada, de fato, mude. Ou melhor, mudanças ocorreram nos últimos dez anos, mas no sentido de elevar a parcela de imposto que as empresas podem deixar de pagar e para reduzir ou eliminar a necessidade de que essas mesmas empresas, em contrapartida, participem do investimento cultural com dinheiro próprio.
Ou seja, aumentou-se a quantidade de recursos públicos que podem ser aplicados em cultura por meio de empresas privadas e encolheu-se a participação dos recursos dessas empresas privadas nos investimentos. Pior ainda, na Lei do Audiovisual, o Estado remunera em 32% o repasse da verba pública!
No total, no ano passado, a captação de investimento em cultura por meio das leis de incentivo atingiu quase R$ 1 bilhão. É uma soma expressiva, cuja distribuição vai ao sabor de bancos, mineradoras, petrolíferas etc., e destina-se a todo o tipo de projetos, desde aqueles que podem ser considerados relevantes aos que seriam perfeitamente sustentáveis pelo mercado, passando por um sem-número de pequenos, médios e grandes "apliques". Já se tornou ocioso apontar absurdos na utilização das leis de renúncia fiscal. Eles são muitos e estão por toda a parte. Hoje, praticamente tudo se faz pedindo "um dinheiro aí" de renúncia fiscal, sem que o Estado demonstre capacidade de selecionar os projetos e acompanhar as prestações de contas.
Não há dúvida de que esses recursos representam um ganho para a área e se traduzem numa dinamização cultural. Afinal, como costuma exemplificar um crítico desse sistema, se você pegar uma determinada quantia de dinheiro e todo ano atirá-la pela janela, sem nenhum critério, para os moradores de uma rua, passado o tempo certamente alguns progressos serão registrados. A questão é saber até que ponto esses "progressos" devem ser fruto de um jogo sem regras ou de políticas que imprimam racionalidade à distribuição do dinheiro.
Concessões de incentivos fiscais se justificam sob alguns pressupostos. No caso da cultura, o mínimo a esperar é que a legislação fosse um fator de indução ao investimento. Ou seja, o Estado renunciaria a receitas para estimular a participação do investidor privado em cultura e a formação de um mercado capaz de, no futuro, dispensar o uso desses recursos -que se dirigiriam prioritariamente para setores e projetos nos quais a presença pública seria de fato justificável e necessária.


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