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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Me dá um dinheiro aí!
Captação por meio de leis de incentivo atinge R$ 1 bilhão e os absurdos desse sistema continuam intocados
ENQUANTO o nobre senador
(arrrghh...) Marcelo Crivella
(arrrghh...), ligado à Igreja
Universal (arrrghh...), tenta passar
um projeto pelo qual igrejas teriam
acesso à Lei Rouanet para reformar
templos, o Tribunal de Contas da
União (TCU) dedica espaço, em relatório, a aspectos relativos ao uso da
legislação de renúncia fiscal na área
de cultura.
Não sou daqueles que, quando ouvem falar em incentivo fiscal, são
acometidos por faniquitos liberais
ou sentem vontade de puxar um revólver. Mas, em se tratando de destinação de recursos públicos (num
país com as carências conhecidas), a
questão precisa ser discutida -como, aliás, tem sido, ainda que nada,
de fato, mude. Ou melhor, mudanças ocorreram nos últimos dez anos,
mas no sentido de elevar a parcela
de imposto que as empresas podem
deixar de pagar e para reduzir ou eliminar a necessidade de que essas
mesmas empresas, em contrapartida, participem do investimento cultural com dinheiro próprio.
Ou seja, aumentou-se a quantidade de recursos públicos que podem
ser aplicados em cultura por meio
de empresas privadas e encolheu-se
a participação dos recursos dessas
empresas privadas nos investimentos. Pior ainda, na Lei do Audiovisual, o Estado remunera em 32% o
repasse da verba pública!
No total, no ano passado, a captação de investimento em cultura por
meio das leis de incentivo atingiu
quase R$ 1 bilhão. É uma soma expressiva, cuja distribuição vai ao sabor de bancos, mineradoras, petrolíferas etc., e destina-se a todo o tipo
de projetos, desde aqueles que podem ser considerados relevantes
aos que seriam perfeitamente sustentáveis pelo mercado, passando
por um sem-número de pequenos,
médios e grandes "apliques". Já se
tornou ocioso apontar absurdos na
utilização das leis de renúncia fiscal.
Eles são muitos e estão por toda a
parte. Hoje, praticamente tudo se
faz pedindo "um dinheiro aí" de renúncia fiscal, sem que o Estado demonstre capacidade de selecionar
os projetos e acompanhar as prestações de contas.
Não há dúvida de que esses recursos representam um ganho para a
área e se traduzem numa dinamização cultural. Afinal, como costuma
exemplificar um crítico desse sistema, se você pegar uma determinada
quantia de dinheiro e todo ano atirá-la pela janela, sem nenhum critério,
para os moradores de uma rua, passado o tempo certamente alguns
progressos serão registrados. A
questão é saber até que ponto esses
"progressos" devem ser fruto de um
jogo sem regras ou de políticas que
imprimam racionalidade à distribuição do dinheiro.
Concessões de incentivos fiscais
se justificam sob alguns pressupostos. No caso da cultura, o mínimo a
esperar é que a legislação fosse um
fator de indução ao investimento.
Ou seja, o Estado renunciaria a receitas para estimular a participação
do investidor privado em cultura e a
formação de um mercado capaz de,
no futuro, dispensar o uso desses recursos -que se dirigiriam prioritariamente para setores e projetos nos
quais a presença pública seria de fato justificável e necessária.
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