São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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ENTREVISTA
CILDO MEIRELES


Queria ser o meu maior colecionador

Cildo comenta a relação entre arte e mercado, propõe alternativa ao modelo da Bienal e adianta como será a mostra na Tate, em Londres

Letícia Pontual/Folha Imagem
Cildo Meireles, com bola de sinuca que vai ser usada em uma nova versão da instalação "Glovetrotter"

MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Cildo Meireles é a bola da vez na arte brasileira. Torcedor do Fluminense que mora no bairro de Botafogo, onde mantém um ateliê preenchido de alto a baixo por pilhas de caixas em que estão armazenadas dos rádios de "Babel" às garrafas de Coca-Cola de "Inserções em Circuitos Ideológicos" e às bolas de "Glovetrotter", o carioca de 60 anos se prepara para grandes exposições individuais em dois dos mais importantes museus do mundo.
A primeira "parada" de todo esse material será como parte das instalações de grande porte que serão exibidas em mostra na Tate Modern, em Londres, a partir do dia 14 de outubro. A exposição seguirá para Barcelona, Houston e Los Angeles.
Em 2010, está prevista nova reunião de suas obras no museu Reina Sofía, em Madri.
A mostra na capital espanhola é decorrência do prêmio dado a Cildo pelas mãos do rei da Espanha, Juan Carlos, no último dia 9. O Velázquez rendeu 90 mil (cerca de R$ 227 mil), mas não foi a única honraria conferida pelo meio das artes plásticas ao carioca -a primeira vez em que foi oferecido a um não-espanhol. Ele também foi contemplado com o Ordway, organizado pelo New Museum, de Nova York, propiciando ao artista outros US$ 100 mil (cerca de R$ 161 mil).
"Acham que eu estou lavando dinheiro", brinca ele, que, em entrevista à Folha, adianta como será sua exposição na Tate, sugere um novo modelo para a Bienal de São Paulo e comenta a relação entre arte e mercado: "Eu queria sempre ser o meu maior colecionador. Mas você tem de viver, tem de pagar aluguel, tem de comer..." A importância de Cildo no contexto da arte brasileira é tema de um ciclo de seminários ocorrido em SP, Brumadinho (MG) e Brasília, onde hoje ele faz aula aberta. Leia trechos da entrevista, feita em seu ateliê.

 

EXPOSIÇÃO NA TATE Essa exposição começou a ser montada em 2002, 2003, antes de o Vicente Todoli assumir a curadoria da Tate Britain. Depois, ele e o Guy Brett vieram aqui ao Rio. Nós escolhemos trabalhos que não componham uma retrospectiva, no sentido de que a mostra não seja tão abrangente e detalhista. É uma antologia que cobre de 1967 ao começo dos anos 2000. Basicamente, são oito peças grandes, instalações. Terá "Através", "Desvio para o Vermelho", "Missão/Missões", "Eureka/ Blindhotland", "Babel", "Volátil" [instalação na qual o público entra na obra pisando em um monte de talco industrial], uma nova versão de "Fontes" [instalação com relógios de parede] e "Ocasião", montada apenas em Hamburgo na Portikus, espaço dirigido pelo Daniel Birnbaum [atual curador da Bienal de Veneza] que teve curadoria de Jochen Volz [atual curador do Centro de Arte Contemporânea Inhotim].

PRÊMIOS Os prêmios [Velázquez e Ordway] foram uma surpresa, não é? Eu não estava esperando. Não são prêmios para os quais você se inscreve, você acaba os ganhando. Foi uma coincidência os dois saírem no mesmo ano. Aqui no Brasil, quando acontece isso, acham que eu estou lavando dinheiro [risos].

ALTERNATIVA À BIENAL É claro que a idéia de discutir a Bienal de São Paulo agora é mais do que uma boa idéia. É necessário. Eu acho, por exemplo, que esse modelo atual não é bom. Acho ruim você ter uma Bienal com 240 nomes, que não podem quase nunca mostrar exatamente o trabalho como eles pretendiam e para o público que também normalmente não consegue ver todos os trabalhos, por causa do gigantismo. Por que você não pega esses 240 artistas, em vez de um evento localizado em dois meses como é a Bienal de São Paulo, como é a de Veneza, de onde a Bienal deriva, e faz um programa com esses 240 artistas? Você poderia ter dez artistas nacionais e internacionais por mês, dez exposições por mês, durante 24 meses, ou seja, dois anos. Eu acho que, para uma cidade de 20 milhões de habitantes, isso se torna mais atraente, mais produtivo, mais dinâmico. Você poderia criar uma rede articulada de manifestações renovadas de arte. Não sei se isso é possível, se interessa, mas a Bienal de Medellín, por exemplo, vai partir para esse modelo.

ROUBO NA PINACOTECA Eu imagino que o cara que está encomendando isso está solto por aí. Isso aí dificilmente foge de um roubo encomendado, não? Já houve um anterior e recente no Masp. No primeiro caso, você chegou fisicamente a quem furtou os quadros. Mas, por uma estranha razão, você nunca chega ao mandante. Quem estaria por trás disso?

RELAÇÃO COM O ESTADO Eu acho que, em artes plásticas, se o Estado quer ajudar, ele pode começar não atrapalhando. À medida que o Estado se mantém fora, o setor consegue se organizar, se auto-regular. Fundamentalmente, instituições de arte, ligadas ao aporte do capital privado não têm de ser responsabilidade do Estado. Por exemplo, eu acho que o modelo soviético foi catastrófico. Lá o creme do creme das artes no começo do século 20 virou o realismo socialista.

RELAÇÃO COM O MERCADO Há trabalhos meus que conseguem manter sua característica estrutural de não conseguirem ser vendidos, como "Inserções em Circuitos Ideológicos". Nunca vendi. E o dia em que eu descobrir que alguém está comercializando isso, eu vou ficar furioso. É oportunismo. Mas temos sempre que considerar que o mercado é uma fatia, é uma parcela de uma coisa muito maior, que é o público, uma entidade sem face. Agora, dentro desse público, tem uma parcela que tem poder econômico para pagar o preço do trabalho. Isso é o mercado. Mas eu realmente nunca consegui produzir pensando no mercado. Sempre foi muito claro para mim o seguinte: cedo ou tarde, alguém vai ganhar muito dinheiro com o seu trabalho de arte. De preferência, seria ideal que o próprio artista fosse essa pessoa. Eu queria sempre ser o meu maior colecionador. Mas você tem de viver, tem de pagar aluguel, tem de comer... Sou plenamente consciente de que, quando você pega algum material e faz alguma coisa com ele, isso entra na esfera do fetiche.

INFLUÊNCIAS Três nomes sempre vieram à minha cabeça: Marcel Duchamp, Piero Manzoni e Orson Welles. Hélio Oiticica, convivi bastante em Nova York, sempre respeitei o trabalho dele e da Lygia [Clark].


NA INTERNET
folha.com.br/081716
Leia a íntegra da entrevista



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