São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Retrato de Oscar Wilde

Manuscrito de "O Retrato de Dorian Gray" e cartas raras de Oscar Wilde ganham edição fac-similar para estudiosos bancada pela brasileira Lúcia Moreira Salles

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Oscar Wilde acreditava na beleza acima de tudo. Lúcia Moreira Salles, que foi modelo da Chanel nos anos 60 e musa do estilista Valentino, também.
E foi pelas mãos de Lúcia, que morreu em janeiro deste ano, que veio à tona um livro revelador sobre a vida pública e privada do romancista, poeta e dramaturgo irlandês.
No volume, que ela e o marido Walter Moreira Salles compraram num antiquário de Londres nos anos 80, estão o manuscrito do romance mais célebre de Wilde -"O Retrato de Dorian Gray"-, uma carta em que diz que a "arte é inútil" -que serviu de leitmotif a esse romance- e ainda a primeira carta a seu amante, Alfred Douglas, conhecido como Bosie.
Tudo isso ficou na biblioteca do casal no apartamento do edifício River House, em Nova York, até que, um ano antes de morrer, Lúcia decidiu reproduzir o livro para presentear amigos e estudiosos de Wilde -projeto concluído só agora.
Na ocasião, ela pediu ajuda ao único neto do autor, Merlin Holland, para escrever introduções aos manuscritos. Encarregou o publisher argentino Juan Pablo Queiroz de cuidar dos detalhes da edição, que deveriam ser réplicas perfeitas, mantendo o papel e a encadernação do volume original -este doado à Morgan Library, em Manhattan, onde fica exposto para o público até outubro.
Quando ligaram para sua casa na França falando sobre um volume de manuscritos raros de seu avô, Holland não acreditou. Só deixou de duvidar quando, já em Nova York, na casa de Lúcia, viu o tom púrpura da lombada, cor que Wilde sempre escolhia para encadernar suas peças, e o brasão dos marqueses de Queensberry na capa.
Era a prova de que o livro pertencia à coleção de Francis Queensberry, sobrinho do amante de Wilde. Foram os Queensberry que denunciaram a homossexualidade do autor na virada para o século 20.
Em 1895, Wilde estava no auge da fama, com duas peças em cartaz no West End londrino, e decidiu processar a família do amante, mas perdeu a briga judicial e acabou condenado a 20 anos de trabalhos forçados. Ele se exilou em Paris, sua mulher Constance e os dois filhos mudaram o sobrenome para Holland e fugiram para a Itália.
Os desdobramentos desse escândalo serão tema agora de mais um livro sobre Wilde escrito por seu neto, que deve sair no fim do ano que vem.
"Nós não estaríamos falando dele agora se ele não tivesse levado adiante aquele processo", resume Holland à Folha. "Por mais de 70 anos depois de sua morte, as consequências do escândalo continuaram a abalar a Inglaterra. Ele era o príncipe da decadência, era tudo o que o Império Britânico detestava."
Tanto que Bosie, depois da morte de Wilde, tentou se livrar das evidências do romance que teve com o autor. Queimou centenas de cartas que haviam trocado, mas deixou para trás, entre outras, essa que está no livro de Lúcia, a primeira delas.
"Adoraria fugir com você para algum lugar -onde seja quente e colorido", escreveu Wilde a Bosie, em novembro de 1892. Segundo Holland, é provável que a carta tenha sobrevivido porque pode ter sido vendida por Bosie a seu sobrinho, que pagava as contas e o aluguel de sua casa em Londres.

Esse legado de escândalos, que permeou vida e obra de Wilde, jogou luz sobre sua produção, mas também ofuscou seu mérito literário. "Ele não era um escritor homossexual; era um escritor que, por acaso, era também homossexual", diz Holland. "Me irrito com a ideia de interpretar a moral vitoriana com olhos do século 21."
Também foi mal-entendida sua frase sobre a inutilidade da arte. "Ele não quis dizer que a arte era inútil porque não tem um uso. Quis dizer que a arte não tem uma moral", diz Holland. "A arte existe por ela mesma, não tem propósito."
Na carta que escreveu a um admirador, Wilde resume sua doutrina da "arte pela arte". "Uma obra de arte é tão inútil quanto uma flor. Uma flor desabrocha por sua própria alegria. Ganhamos um momento de alegria olhando para ela. É tudo que pode ser dito sobre nossa relação com as flores."


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