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Retrato de Oscar Wilde
Manuscrito de "O Retrato de Dorian Gray" e cartas raras de Oscar Wilde ganham edição fac-similar para estudiosos bancada pela brasileira Lúcia Moreira Salles
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Oscar Wilde acreditava na
beleza acima de tudo. Lúcia
Moreira Salles, que foi modelo
da Chanel nos anos 60 e musa
do estilista Valentino, também.
E foi pelas mãos de Lúcia,
que morreu em janeiro deste
ano, que veio à tona um livro revelador sobre a vida pública e
privada do romancista, poeta e
dramaturgo irlandês.
No volume, que ela e o marido Walter Moreira Salles compraram num antiquário de
Londres nos anos 80, estão o
manuscrito do romance mais
célebre de Wilde -"O Retrato
de Dorian Gray"-, uma carta
em que diz que a "arte é inútil"
-que serviu de leitmotif a esse
romance- e ainda a primeira
carta a seu amante, Alfred Douglas, conhecido como Bosie.
Tudo isso ficou na biblioteca
do casal no apartamento do
edifício River House, em Nova
York, até que, um ano antes de
morrer, Lúcia decidiu reproduzir o livro para presentear amigos e estudiosos de Wilde
-projeto concluído só agora.
Na ocasião, ela pediu ajuda
ao único neto do autor, Merlin
Holland, para escrever introduções aos manuscritos. Encarregou o publisher argentino
Juan Pablo Queiroz de cuidar
dos detalhes da edição, que deveriam ser réplicas perfeitas,
mantendo o papel e a encadernação do volume original -este
doado à Morgan Library, em
Manhattan, onde fica exposto
para o público até outubro.
Quando ligaram para sua casa na França falando sobre um
volume de manuscritos raros
de seu avô, Holland não acreditou. Só deixou de duvidar quando, já em Nova York, na casa de
Lúcia, viu o tom púrpura da
lombada, cor que Wilde sempre
escolhia para encadernar suas
peças, e o brasão dos marqueses de Queensberry na capa.
Era a prova de que o livro
pertencia à coleção de Francis
Queensberry, sobrinho do
amante de Wilde. Foram os
Queensberry que denunciaram
a homossexualidade do autor
na virada para o século 20.
Em 1895, Wilde estava no auge da fama, com duas peças em
cartaz no West End londrino, e
decidiu processar a família do
amante, mas perdeu a briga judicial e acabou condenado a 20
anos de trabalhos forçados. Ele
se exilou em Paris, sua mulher
Constance e os dois filhos mudaram o sobrenome para Holland e fugiram para a Itália.
Os desdobramentos desse escândalo serão tema agora de
mais um livro sobre Wilde escrito por seu neto, que deve sair
no fim do ano que vem.
"Nós não estaríamos falando
dele agora se ele não tivesse levado adiante aquele processo",
resume Holland à Folha. "Por
mais de 70 anos depois de sua
morte, as consequências do escândalo continuaram a abalar a
Inglaterra. Ele era o príncipe
da decadência, era tudo o que o
Império Britânico detestava."
Tanto que Bosie, depois da
morte de Wilde, tentou se livrar das evidências do romance
que teve com o autor. Queimou
centenas de cartas que haviam
trocado, mas deixou para trás,
entre outras, essa que está no
livro de Lúcia, a primeira delas.
"Adoraria fugir com você para algum lugar -onde seja
quente e colorido", escreveu
Wilde a Bosie, em novembro de
1892. Segundo Holland, é provável que a carta tenha sobrevivido porque pode ter sido vendida por Bosie a seu sobrinho,
que pagava as contas e o aluguel de sua casa em Londres.
Esse legado de escândalos,
que permeou vida e obra de
Wilde, jogou luz sobre sua produção, mas também ofuscou
seu mérito literário. "Ele não
era um escritor homossexual;
era um escritor que, por acaso,
era também homossexual", diz
Holland. "Me irrito com a ideia
de interpretar a moral vitoriana com olhos do século 21."
Também foi mal-entendida
sua frase sobre a inutilidade da
arte. "Ele não quis dizer que a
arte era inútil porque não tem
um uso. Quis dizer que a arte
não tem uma moral", diz Holland. "A arte existe por ela
mesma, não tem propósito."
Na carta que escreveu a um
admirador, Wilde resume sua
doutrina da "arte pela arte".
"Uma obra de arte é tão inútil
quanto uma flor. Uma flor desabrocha por sua própria alegria. Ganhamos um momento
de alegria olhando para ela. É
tudo que pode ser dito sobre
nossa relação com as flores."
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